terça-feira, agosto 23, 2005

Sala de Espera...

O calor que entrava por a estrada aquela hora era mais do que quente era abrasador. No entanto, havia que correr uma consulta médica estava marcada para essa mesma tarde. Os ponteiros do relógio pareciam correr mais rápido que as rodas sobre o alcatrão. Clínica São Paulo, depressa nos remetia a mente para o brasil ou para o céu divino. Não encontrei piada ao nome, nada cativante a não ser as duas analogias do cerébro...optei então por ficar pela primeira ideia pelo menos significava novas paragens. Lá dentro as habituais decorações pálidas que indicam doença. As cores não se ficavam além dos amarelos, brancos, cadeiras almofadadas pretas e de madeira. Uma recepcionista agarrada ao caderno com mil nomes disse: Boa tarde! e logo em seguida - O Srº doutor chegou atrasado a consulta vai demorar um pouco.
Mas, não me espantei é hábito, qualquer clínica que se preze faz os pacientes aguardar, mesmo que a dor insista em não esperar. Sentei-me já com a previsão de ir esperar horas, a inquietude desta visão fez-me desesperar. No entanto, lá peguei nas revistas todas elas de Dezembro ou Agosto de anos não correntes já há muito. Actualidade nula portanto. Á minha frente estavam dois casais de idosos. E eis a melhor surpresa da tarde. O meu ouvido insistia em cair sobre as suas conversas. O mais falador resmungava porque estava ali a perder tempo em vez de estar a regar as flores. Enquanto isso a mulher do mesmo dizia:
- Oh homem tu sossega. Depressa esboçei um sorriso. Estava então apresentada o que seria a minha fascinante tarde e sem esquecer nunca que estava numa sala de espera. O mesmo homem dizia ao seu outro companheiro de espera (o outro casal que lá se encontrava e que por sinal nunca antes se tinham cruzado.)
- Olhe amigo eu trabalhei uma vida inteira de sol a sol, e se hoje tenho a vida que tenho foi graças a mim.(A voz altiva não escondia a vaidade do feito.)
- Então o amigo vá lá dizer isso a esta juventude de hoje, que logo vê a resposta que obtém.
Depressa percebi que a minha geração estava em análise, logo eu seria um elemento a considerar para a estatística.
- Nos dez anos a seguir ao 25 de Abril só não ficou com dinheiro quem não se deu ao trabalho.
- Pois pode ser.
- O meu marido ia trabalhar e levava por lá dias sem voltar ( proferia a mulher do aventureiro trabalhador, enquanto isso a outra mulher apenas olhava como que em seus pensamentos passa-se toda uma vida de trabalho sem grandes lucros.)
- Tenho três filhos e todos eles formados.
- Há pois.
- Dos três qual deles têm a vida melhor!
- Fiz a minha missão, agora quando Deus me quiser levar tou pronto para ir.
- Então diga lá, não podemos ficar cá para sempre.
Um belo raciocínio simples, mas que insistimos em afastar ao longo dos tempos. Não queremos perder o nosso estatuto de eternos.
Entre uma conversa e outra, lá se levanta o falador e dirige-se a uma máquina de àgua, tipica das clínicas. A tarefa de retirar um único copo implicou ter de tirar todos os outros. A mulher lá lhe dava instruções, mas esta era uma máquina avançada de mais para o seu tempo. No entanto, nada que a prática não resolva. As notícias soavam na televisão. E lá entou mais uma vez a sua voz pela sala.
- O País está no fim, mas eu é que já cá não estou para o ver. Agora estas gerações novas (remetia para a minha classe mais uma vez), ainda vão sofrer não um bocado pequeno, mas grande muito grande.
Paralisei mais uma vez, e não era uma provocação era apenas a mudança que ele assistiu ao longo do tempo.

quarta-feira, agosto 17, 2005

Abismos...

Os limites do abismo entre a ausência e a presença são dobrados pelos espaços nulos. Latejam as vidas de brilho e são fruto de dias vagos multiplicados pelo tempo. Pelo tempo que percorre não só o espaço, mas que atravessa a viagem de quem foge da rotina.
E a tentação de sair é mais quente e permanece a confiança na sorte de quem arrisca sem temer perder. E volta-se a barriga do avesso e sente-se o arrepio na espinha que fura a pele e entra pelo osso que acelera o nervo. O desconhecido prevalece pelos sentidos não acalma mas fortifica. E que se calem as bocas seguras de sí sem ousarem sair do hábito. Mas, que não se fechem os olhos pela falta de confiança mas sim pela falta de audácia.Mas se preferem prevaleçam então imóveis como estatuas verdes gastas pelo tempo, mas não se admirem se lhes faltar o sentir.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Portugal está a Arder...


Hoje enquanto via as notícias numa estação de televisão generalista, passou a mesma notícia que passa há dias...Perdão não a mesma notícia, todos os dias o tema é o mesmo...Portugal esta a arder. Então voltei a ver o negro do solo, a fumaça do nosso património, a falta de alma e consciência do nosso país e mais do que isso a ausência de sorrisos daquelas gentes. Perdidas pelo passado e perante um futuro tórrido tão ardido quanto os bens, tão inexistente como a poeira que voa agora pelos ceús! E sim eu sei que o ano é de seca não vivesse eu em pleno Alentejo, mas não me serve de desculpa. E na minha mente não culpo o tempo pela nossa falta de civismo. Então tentei imaginar, e olhei à minha volta na estante encontram-se todos os livros que já li e todas as histórias que criei na minha imaginação, resolvi então atribuir-lhe tremendo significado. As fotografias de uma infância que já não volta mas que tão bem me avivam a memória. E voltei a olhar para a televisão e apenas ouvia os relatos de quem perdeu tudo menos a fala. E passei os olhos por todos os quadros, sentei-me nesse sofá confortavél, liguei a música o bater das arvóres verdes lá fora faziam sombra à janela com as portadas meio abertas. O dia era quente, mas não tão quente como as chamas e o desespero que corroe os sentidos dessas gentes. E então pensei ser uma privilegiada por ter os meus livros, o meu sofá e ainda ter para onde olhar e ver verde. E agora imaginem o que é perder tudo, os livros a estante a casa e a vossa própria história! E esse sentimento depressa se esvai, como se esvaiu em mim ao imaginar...E ficou mais do que a frustação de olhar para essas imagens sem poder fazer nada. E enquanto os nossos olhos dobram apenas a tela da televisão, outros correm pela frente dessas chamas e choram por perderem mais do que a contrução de uma vida. Choram pela falta de credibilidade de quem apenas vê sem viver, e ficam as promessas de vidas felizes. E enquanto isso o país arde mas não é so fogo que o mata somos nós...ou alguns de nós!