terça-feira, junho 20, 2006

Sentir em estado puro...

Os que me conhecem sabem bem a paixão que tenho pelo sul, nomeadamente, pelo Alentejo. Aos que não me conhecem também rapidamente faço perceber esta minha perdição. Não sou apologista de qualquer tipo de fronteira, mas sou uma defensora das culturas regionais. Sim, nós somos diferentes, e é dessa diversidade que nasce o rico neste país pobre. Sempre me apercebi apenas das coisas ricas desta região dourada, com cheiro característico, que só quem a bebe sem ter sede dá conta. Sempre passei a mão pela terra e nada vi para além dela, sempre mergulhei na Costa Vicentina e apenas lhe reconheci o dom das melhores praias, sempre olhei para o céu numa noite quente de verão, com a sensação de ser mais estrelado aqui do que em qualquer outro lugar do mundo. E agora encontro aqui na minha terra de sonho real, senhores de poder, com cargos poderosos como eles. De gravata, de fatos, na terra dos camponeses, de BMW´S nas estradas rurais, em busca de um bem-querer desta terra desmedido que mais não serve para servir os seus interesses. E de peito aberto juram fazer por ela a estrada do desenvolvimento, mas em arrelias pisam-se uns aos outros. E jogos de interesses não combinam com ideais, não fazem paralelo com solos férteis, não ecoam nas vozes dos grupos corais e não sentem o vento na seara. Senhores de poder será que podiam sentir esta região em estado puro?

segunda-feira, junho 19, 2006

Carteira Profissional para rimar com oficial...

Há aqueles dias em que os dias são somente dias. Nada além do tempo que surge em demasia. E porém é nestes dias que a mente se encarrega de encher dessas coisas que momentos normais não lhe dão crédito. Adio sempre para pensar o que realmente me assusta para amanhã, ou quem sabe para depois, porém hoje não deu para adiar. Recebi a minha carteira profissional, é mais uma coisa que parece um cartão Multibanco, no entanto esse bocadinho de plástico reveste-se de poderes inacreditáveis. Olhei para ela e tive a sensação de já não haver volta a dar, tinha uma profissão. Olhei para ela e vi um misto de felicidade e desespero. Sempre me ocupei em fazer o que queria, mas sempre me ficaram em mente as coisas que poderia estar a deixar pelo nada com a minha opção.
Então, agora tenho pegado neste bocadinho de plástico com o meu nome gravado vezes sem conta e ainda não fui capaz de o retirar da mesa-de-cabeceira. Volta e meia subo as escadas e lá está ele a olhar para mim. Decidi então sentar-me a seu lado e ter conversa séria. Perguntei-lhe vezes sem conta se era mesmo para mim que queria vir, se tinha consciência que eu podia falhar ou simplesmente me desiludir. Voltei a verificar se o nome era mesmo o meu, mas a minha fotografia não engana, sou eu estampada a cores. Expliquei assim que corria o risco de ter sido editada em vão. Deixei bem presente e claro, todos os meus receios, na esperança de ela (carteira profissional) me dar respostas. E encontrei-as, mas mudas. Ela não se manifestou, mas resolvi percorrer este percurso como qualquer outro da vida, também não há muito a fazer.
No entanto, fizemos um pacto – convidei-me a ver o que ela de melhor têm para me dar, em troca, prometi fazer o que melhor sei. Afinal ela ainda não é definitiva. A ver vamos se nos entendemos.

quinta-feira, junho 15, 2006

Orgulho desmedido...

Durante toda uma vida ouvi falar dele, imagino sempre que tem as mãos grandes de ternura, as faces rosadas e um sorriso rasgado no rosto, como quem não se preocupa com as coisas mínimas da vida.
Na minha cabeça faço cumes de ideias e cada vez que vejo aquela curva não me deixo de arrepiar, numa vontade desmedida que ela jamais tivesse existido. E é estranho sentir saudades de alguém que nem conhecemos. E então ainda foi no outro dia, num fim de tarde perfeito, com aquele calor típico do verão, onde o sol ganha a sua plenitude e estatuto máximo no céu, que se viraram para mim num tom longínquo do tempo que não volta. – Sabes Bruna, o teu avô teria agora a minha idade? Depressa me captou a atenção esse meu amigo, com o triplo da minha idade, que me fez perceber o quanto custou a liberdade com histórias sem conta e uma vontade de viver inquieta.
Senti um nó no estômago, desejando que pudesse mesmo ser verdade e depressa me correram, como quem corre em auto-estradas palavras, essas que me dizem quando menos estou a espera e em que ele é sempre o assunto. – Grande amigo, dos melhores homens que conheci, coração do tamanho do mundo, para ele estava sempre tudo bem. São estas as frases que vou ouvindo de boca em boca e cada vez que as oiço surge uma leveza que me faz flutuar para longe, e é das poucas vezes que sinto orgulho em mim, por me associarem a ti avô.

sexta-feira, junho 09, 2006

Pais de Família...

Parece-me a mim que de um momento para o outro, todos são pais e mães de toda a gente. Se não veja-se aquando da decisão do supremo tribunal de justiça, que considerou que “fechar crianças em quartos é um castigo normal de ‘um bom pai de família’” e agora um padre director da casa do gaiato de Setúbal, que perante os jornalistas não hesitou em dar uma estalada a uma criança de seis anos. Mas este explicou, “Não lhe dei um estalo, bati-lhe com a mão para ele se ir embora”. Como não sendo suficiente o argumento católico, digo eu, fez-se mais claro e evocou as morais familiares: “Isto não foi um mau trato, foi um bom trato. Não me viu antes agarrá-lo ao colo, acariciá-lo e beijá-lo? Sabe quem faz isso? Um bom pai de família”.
Perante tal situação só posso dizer que os bons pais de família andam espalhados por este Portugal dos pequeninos e retrogada. E digo mais, vai chegar o dia em que o cinto de fivela vai voltar a sentar-se à mesa dos portugueses. Vamos regredir à boa e velha educação. E muitas mentes devem agora estar a pensar: Deus nos valha. Mas, ao menino e meninas, deste país não lhe tem válido de muito, mas talvez esta estalada vinda de mãos portadoras de fé tenha outro significado: A de vais fazer-te homem de barba rija, desprovido de sentimentos puros mas duro na queda. E beijarás a mão de quem te abençoa. Vergonhoso, digo eu.

quarta-feira, junho 07, 2006

Estrada/Berma...encontros do acaso

As estradas quase sempre não levam a lado nenhum, é mais a vontade de ir que corrompe o caminho. Porém há coisas nas estradas que nos despertam a atenção, vertigens que lhes quebra a aparência negra, salpicada por traços brancos – muitas vezes pensei mudar-lhe a tonalidade, mas cheguei à conclusão que preto é o mais apropriado, sujidade a mais para cores com vida – mas, devaneios à parte, sobre um calor quente e abrasador desses em que a estrada parece flutuar, onde eu já vou colada na nesga da mente, bem poderiam surgir choques frontais. No entanto, surge, no meio do nada, nessa hora onde todos recolhem por o sol escurecer em demasia a melanina esse ser vergado, com as pernas bambas de vir de longe. E ali na berma repousa nos seus 70 e picos anos (ou mais), à espera não sei bem de quê. Baixa aos olhos quando passam sofisticados animais de quatro rodas, poeira a mais pelo ar, vento a mais para a sua estrutura óssea. E ali espera em mangas de camisa, na árvore que por sorte acolhe sombra vasta. E qualquer dia paro e pergunto-lhe se quer uma boleia, só não sei bem para onde…