segunda-feira, julho 31, 2006

Raiva...

Hoje peguei no DN, não foi sequer necessário folhear as páginas para me arrepiar. Fiquei ali pasmada com tamanho choque, senti um frio que me consumiu por dentro, imóvel, com uma má disposição, ar a menos e raiva a mais. “Ataque de Israel à aldeia de Caná”. 37 crianças vitimas do mundo estúpido fundamentalista. A imagem não me sai da cabeça, e a indignação do corpo. Impotência...não consegui voltar a pegar no jornal...não me apetece ler. Apetece-me gritar em ouvidos moucos, chamar-lhes muitas vezes estúpidos, ignorantes, cobardes, mesquinhos, desprovidos, calculistas, absurdos, otários, palermas, adjectivos vários. Guerras em prol, simplesmente de nada. Aqui no nosso mundo Europeu condenamos o ataque e ficamos a espera não sei bem de quê! E eles que esperam lá amanhã...? E ainda nos queixamos, não sei bem de quê também...

quinta-feira, julho 27, 2006

Gente sem mente...

Como mosaicos espalhados pelo chão colados, agarrados mais fixados dos que os próprios pés na terra. Ideias ocas, de mentes vazias ecoam ao fundo de si, num gélido arrepio. Falam, gritam, esperneiam num avesso. Exaltam a voz, perdem a razão. Espalham ignorância pelo ar e riem em tom de troça, com a maior das certezas em assunto que não tem formação suficiente. E depois os outros calam, lamentam e no fundo é pena que se levanta.

quarta-feira, julho 26, 2006

Para dentro de mim...

Uma aquarela em tintas azuis, um dia em tons verdes. Um sorriso rasgado, vasto e grande. Um abraço que abarca mais do que tudo e mais do que nada. Sementes pelos pós mágicos de duendes caiem sobre o meu espaço. Devasto os lençóis e rasgo os membros. Flutuo na leveza dos sabores, entranho nos cheiros e afugento os perigos. Chego sem ser a horas marcadas, devasto o tempo, acalco o poder das regras, quebro a rotina e fujo para longe. Para tão longe que o mais perto é ir de novo para dentro de mim.

segunda-feira, julho 24, 2006

Muito Estranho...

Vi o Ricardo, não o via nem sei bem à quanto tempo...até pode parecer estranho ele é o meu vizinho da frente. Não fosse ele francês e seria estranho, agora assim a viver em país distante só o verão o retorna. E por vezes quando o retorna ando eu por outras paragens. Mas este ano o tempo resolveu juntar-nos e ele veio a tempo de estar ao mesmo tempo do que eu na rua. Olhei para ele e o Ricardo cresceu esta um homem...não era assim que eu me recordava dele. Será que também já eu estou uma mulher? Muito estranho.

terça-feira, julho 18, 2006

Coisas da Memória...

A memória por vezes falha-me, passo longo tempo, se não mesmo eternidades sem recordar-me de algo. Coisas que passam e que depois voltam a surgir quando menos espero. E quando voltam penso: como pude eu esquecer durante tanto tempo?
Enfim, hoje foi um desses dias, sem mais nem menos veio-me à cabeça aquele turbilhão de coisas boas que sentimos, como talvez dos melhores feitos que fizemos juntos. E prometemos a nós mesmos não esquecer esse dia, e afinal a azáfama dos dias o remeteu para só agora recordar . Eu sei que vocês se lembram, só que como eu devem não falar dele há muito. No entanto, não fosse ele tão importante e passaria mais uma vida ou duas sem o memorar. Então cá estávamos nós em amena cavaqueira, felicidade, alegria, amizade e por aí...O cenário era perfeito, verde sem conta, azul puro, cheiro de mar por todos os lados e boa disposição com sorrisos rasgados. Estávamos de veras encantados com os Açores. Andávamos na vontade desmedida de beber tudo num solvo...e nesse dia o programa há primeira vista em nada se assemelhava, aos longos banhos nas cascatas, aos mergulhos nas águas e à descoberta de vales encantados. Íamos nós para um lar de terceira idade e rodeados de mar por todos os lados. Chegamos e logo ali ficamos deslumbrados, dividimo-nos por tarefas e pisos, a mesma alegria de sempre, lá nos éramos a novidade. Enquanto uns iam descascar batatas para a cozinha, outros iam para os quartos, outros até estender roupa (sim não me esqueço Nuno foi das melhores visões que já tive até hoje). Prestar auxilio era a nossa missão, no entanto foram eles que nos prestaram sobretudo ao coração. De quarto para quarto, deixávamos os tabuleiros de comida sentados nas camas falávamos, e eles com gestos retribuíam. Comemos a melhor sardinhada de sempre, numa semana rica em arroz. Tiramos a barriga de misérias, mas sobretudo a alma. Quando me pediram para ir levar a comida aquele quarto, não esperava encontrar alguém assim. Entrei e pediu-me para lhe dar a sopa à boca, os meus olhos estavam espantados com olhos tão azuis e cristalinos, com um cabelo cor de prata e uma pele tão branca...mas estavam ainda mais espantados com a sua conversa. Foi sobretudo da solidão que ela nos falou, dos livros, da vida e dos afectos e ficamos ali sentados embasbacados como se só naquele tivéssemos percebido que há tanto por fazer. Sentimo-nos tão bem em estar a proporcionar um dia diferente a alguém, que foram estrelas que pairaram sobre a nossa cabeça. E a despedida essa foi dolorosa, sabíamos que não íamos regressar. E quando ela nos perguntou se amanhã voltaríamos outra vez, com uma esperança nos olhos. Foi um nó no estômago por saber que não voltaríamos, e com uma voz trémula dissemos que não. Lembro-me das palavras que proferimos quando saímos - Espectáculo ainda bem que viemos. Coisas úteis ao coração.

terça-feira, julho 11, 2006

Família feliz...

Ontem, andava não indecisão de comer ou não. Não se tratava de fome, nem de estômago farto. Era mais a hora que ditava a rotina dos dias, àquela hora todos provavelmente estariam a almoçar, ou já teriam terminado. Eu estava ainda a decidir.
Entre a busca positiva ou negativa da questão, uma família anunciava que estava oficialmente de férias. Não gritaram, mas nos meus ouvidos ecoou como se tivesse dito directamente para o meu cérebro. O carro familiar, pequeno, modesto, simples, sem grandes luxos, nem aparatos carregava uma auto tenda de duas rodas que ostentava está sim, todos os adereços para uma longa estadia. Sacos de cama, colchões, bancos, e a minha mente a imaginar o que estaria lá dentro, provavelmente eram pratos, talheres e uma casa mudada. No veículo apenas três pessoas, pai, mãe e filha. Os dois passageiros da frente encontravam-se literalmente a caminho do paraíso. Os tão ambicionados 15 dias de férias, num ano de trabalho e junto à praia. Já para passageira do banco de trás, que mal se via com tantos sacos ao lado, eram 15 dias de puro sofrimento. Não fosse o telemóvel e estaria totalmente perdida. Já não via a hora de estar a arrumar a tralha e toca a vir para cima. Nesta idade ir só com os “cotas” é uma tremenda seca. A viagem ainda era longa pela direcção que seguiam decidi que iriam para Monte Gordo, mas antes era tempo de alimentar. Nada mais prático do que parar nesse sítio da comida de plástico, uma coca-cola, um hambúrguer, batatas fritas e a economia do primeiro dia estava feita. O preço do combustível não dá para grandes luxos. Olhei bem para eles e eram felizes, tinham os anos programados, esperavam pelos 15 dias de férias, provavelmente já conheciam os vizinhos do parque de campismo de partilha ao longo dos anos, de manhã iam ao pão, vinham cedo da praia para assar o peixe, dormiam a sesta debaixo dos pinheiros, voltavam para a praia, voltavam para jantar e à noite saiam na calçada à beira mar. E não era preciso muito, apenas o que o dinheiro dava, era preciso sim que tivessem juntos e de férias.

segunda-feira, julho 10, 2006

Hoje

Hoje a luz entra com mais força por a minha janela ou serão os meus olhos que ainda estão na noite?

terça-feira, julho 04, 2006

Sal...

O doce, o amargo e o salgado fazem parte do paladar de qualquer um. No entanto, apenas uns os saboreiam plenamente. Se o doce é difícil de encontrar por estes dias, já o amargo cruza-se por nós em qualquer esquina. Tudo o que pica e sabe mal surge na mente, nas vistas e deleita-se pensado ignorantemente que para nós é algo de muito bom. Sabores amargos é o que por aí mais há e nascem quase sempre de pessoas desagradáveis, intragáveis e mesquinhas em todo o sentido da palavra. Bombons com recheio são raridades escassas, quase só na época das cerejeiras surgem caprichos que adocicam a boca. Eu guardo sempre caroços permanentes na minha existência, para açucararem os meus dias ao longo de todo o ano, autênticas relíquias, imprescindíveis, raras, mas que ainda existem.
Mas o salgado anda espalhado por ai, ao alcance de qualquer um e tão poucos o notam. Ignoram e retiram-no do corpo como se de uma doença contagiosa se tratasse. Sempre que posso entro em pedaços de NaCl e considero-o néctar para a pele, para a vida, e sobretudo para a essência dos dias. Nada me deixa mais leve, nada como ele me afasta nuvens escuras...nada me sabe tão bem. E quando chega nesse cenário de diversidade colorida, em que os actores são todos componentes puros, é ingrediente perfeito e nada me demolha tão plenamente. Fico ali a conservar, apenas o que de melhor existe nesse momento, silêncio absoluto. Deixa-me apta e entra-me por entre os poros e cada vez que os meus lábios o tocam, surge a melhor degustação paliativa. E fico em estado incontaminado. E quando adormeço com ele por os membros, pela mente e pela noite fico leve e flutuo uns centímetros acima dos lençóis. Se o amargo é indigesto e nojento, se o doce anda contado pelas palmas da mão já o salgado esse, abunda em estado líquido e que sorte nos dias que correm.

domingo, julho 02, 2006

RAP...

Sol quente, tão quente que os poros mal respiram. O mesmo caminho de sempre, aquele que me leva de regresso a casa. Não tenho por hábito dar boleias a desconhecidos, no entanto ali estava ele debaixo de temperaturas elevadas. Não era propriamente um desconhecido, conhecia-o de vista, o suficiente para saber que não me faria mal. Mas encostei, fez uma cara desesperadamente de alívio, aguçou ao olhar e acho que ficou feliz por me ver. Logo aí, nesse instante não me arrependi de ter parado. Sentou-se e perguntou-me se podia abrir o vidro, calor a mais. Poucas palavras, um constrangimento de quem não tem muito assunto, mais da minha parte do que da dele. A sua história de vida eu sabia, embora que vagamente. E imaginava também o que ele estava a fazer naquele lugar. Mas, mesmo assim, para quebrar o silêncio lá fiz a primeira pergunta – Então agora estas por cá? Não sei se era bem isto que queria dizer, mas foi o que saiu – Sim, aqui estou melhor. Sabes, reduzi a metadona para 17, no princípio do tratamento estava em 70. Senti-o confiante no seu feito e a mim senti-me sem saber bem porque metia eu embaraços. Ele encarava melhor a situação do que eu e ainda bem, sabia lidar com ela. Mais uns longos minutos de silêncio e eu a absorver tudo o que ele me estava a proporcionar, essas coisas que fazem crescer. Do nada um pássaro planou sob o vidro do carro, uma sensação de liberdade perfeita, reparei que os seus olhos viajaram com ele, tentei imaginar o que lhe estaria a passar em mente, mas achei que foi somente o que passou na minha, leveza sem limites. Perguntou-me o que eu fazia, e pela primeira vez apresentamo-nos formalmente. Acho que ele ganhou confiança, a suficiente para me perguntar se eu gostava de RAP. Levaria mais uns minutos e o som do carro era RAP francês. Naquele momento as barreiras estavam quebradas, a partilha de uma música aproxima qualquer um. O resto da viagem foi feito sob este ritmo. Reparei que ele estava tão empenhado em absorver os sons que decidi não interromper. Chegamos ao destino final. Saiu e pegou-me na mão com o agradecimento mais sentido que me proferiram até hoje, dei-lhe a cassete de RAP e ele perguntou-me: - Não queres ficar com ela para ouvires melhor, depois dás-me. Mas achei que ela lhe faria melhor a ele do que a mim. Hoje, voltei a encontra-lo e levava os phones nos ouvidos, por certo que era RAP o que ia a ouvir, de longe acenou-me e fez-me adeus e agradeci-me infinitamente por ter parado nesse dia.