domingo, outubro 22, 2006

Pedaço de conversas...

Eu nasci já morto e de olhos fechados. Hoje já nascem de olhos abertos...

Foi a frase que ouvi ontem dentro da cartilagem. Vai lá saber-se o porque, mas fez eco no cerébro...coisas soltas de uma mente à solta.

domingo, outubro 15, 2006

A minha amiga Gata já é mãe...

Um pé junto ao outro, um fato de treino rosa e um balanço na cadeira inquieto. É assim que me recordo de ti pela primeira vez, dessa, em que eu tinha calções de peitilho verdes com uma camisola rosa e uns sapatos que faziam barulho. Caracóis claros e eu de cabelo escorrido e escuro. Dedos, olhos grandes e expressivos, gargalhadas descontroladas e a barriga apertada por doer com tamanha actividade alegre da alma. E passam as canelas finas, passam os pátios de soalho vermelho e já não ouvimos as campainhas num grito que alterava a garganta, como algo descontrolado mas de extrema importância: “É entrada da Dona Dorinhas”, lembras-te as veias ficavam alteradas? Mas davam ar de responsabilidade! Bem lembro que nunca te preocupas-te com tal facto, bem me lembro, de ser uma seca em que reviravas os olhos. Vejo-te do contra, da oposição sempre, mas de uma oposição ingénua. Não medias o que dizias, tão pouco o que fazias. Eras um destrambelhamento andante em terra firme. Abominavas a vida, mas rias tão intensamente que acho que eras sarcástica. Lembro-me de te ver ir sempre sozinha, sempre com os caracóis a deambularem até virares as bombas de gasolina. Gata, não era nome fácil de criança, raramente te ouvi chamar Cristina. Gata, Gatarda, Gatarrona, em ouvidos de cartilagem infantil. E reviravas os olhos, esses, cor de mel. Criavas no ar, imaginavas e acabava sempre por algo correr mal... Sempre a mesma vítima do destino! Bem sei que era abuso, mas quiçá algo tão genuíno, que raramente encontro melhores memórias. E agora já tens mais um cordão umbilical, e agora já não te vejo a ir sozinha até a esquina, ainda te enxergo com a cabeça cheia de bolinhas amarelas da árvore, fecho os olhos e vejo a queda de cima do teu troco, do teu quarto imaginário, no primeiro andar, quando todos se contentavam com o chão e os pés firmes. Vejo-te a rebolar pela tábua solta da sala de aula, numa irritação desmedida, vejo a minha cara de otária, ou melhor as nossas, quando a tua piscina não passava de uma farsa. Vejo-nos dentro da arca frigorífica e afinal já nem fruta tem comido juntas. Estas longe, longe de mais até. Mas perto da minha cabeça, perto sempre da minha vivência. E hoje quando me chamaram com um toque e me disseram que já tinhas o teu bebé senti um misto do que já não volta. Bolinhas de sabão, saudade, cordas de vidas, risadas, e felicidade hoje mais do que nunca te sinto acompanhada. Imagino-te no mesmo desespero de sempre, na mesma resmungona de todos os dias, nas mesmas piadas e risos em que cerravas os dentes. Encontro-te a delirar e tão feliz como nunca te vi, que me fazes feliz a mim.

sexta-feira, outubro 13, 2006

Cristo na Parede...

Já há muito tempo que não entrava numa sala de aula de uma escola primária, mas o cheiro ainda é o mesmo. As carteiras são da mesma cor. Os desenhos apresentam cabeças de bonecos desproporcionais aos corpos. Árvores e pássaros desenhados em n. Lagos, patos, pais, mães e irmãos tudo estilizado. Sente-se alegria nas tarefas que moldam as mãos ao barro, à plasticina e ao cheiro da tinta. Tudo na mesma. Somente, as minhas pernas parecem não caber nas mesas e batem no tampo. Não tenho a mochila carregada de canetas de feltro, muito menos de lápis de cera. A minha mãe não forrou os livros nem lhe colou etiqueta, tenho um bloco que em criança, jamais carregaria comigo capa lisa, sem imaginação ou bonecos a povoar não entrava no cesto das compras. Já não desejo escrever a cores e já não invejo os que andavam à minha frete no percurso escolar, que carregavam nos estojos canetas de tinta vermelha e verde.
Nada mudou muito, os mapas continua a marcar presença, os quadros, estes, já não são de cor verde nem o giz faz espirrar os alérgicos, nem o apagador se vai bater lá fora, numa vontade desmedida que me calha-se a mim. A escola não mudou assim tanto, apenas os morangos com açúcar e a floribeela invadem os cadernos e já não se usa o tom soyer, nem tão pouco a série da Brenda e do Dylan. E no meio de pequenas mudanças de época, somente, uma coisa permanece igual como há anos. Olhei para a parede e lá estava ele Jesus Cristo numa cruz. Pensei de não ser possível, tal imagem nas paredes de hoje, e pensei da imposição de uma religião já não reinar nos claustros das escolas portuguesas. Mas parece que afinal pouca coisa muda...alias as mentalidades são o que mais dificilmente mudam. E cá vão as crianças de hoje, olhando para o alfabeto com o cristo no horizonte... E eu pergunto nas escolas de hoje, não existem já crianças de outras religiões? Não existe já quem não tenha sequer religião?