sexta-feira, agosto 31, 2007

Poção dos aflitos

A mulher pediu-me cremes. Loção que faz passar as dores. Boiões brancos sem marcas. Mesinhas caseiras. Era isto que a mulher queria. Tinha os joanetes em brasa. Os sapatos pulavam na carne como as formigas fogem da água. À esquina havia a loja. Dentro da loja, havia o homem que fazia os cremes. Ao balcão estava a mulher do homem que vendia a cura. Lá dentro, as estantes de madeira com bicho estavam carregadas de coisas. Basicamente, pastas dentífricas, pentes de dentes largos, cafeteiras, champôs, ganchos para o cabelo, panelas, toalhas, fogareiros e vassouras. Tudo e cremes milagrosos, sem estarem à vista. Negócio clandestino de quem ainda não patenteou a obra.
Vendem-se cremes para as dores?
Claro, menina!
O saco transparente para pôr fruta alojou a poção. Não havia uma indicação, muito menos contra-indicações. Deduzi que fosse para todos os males do corpo e com sorte daria para espalhar sobre os da alma. A mulher pedia-me cremes. Levei-lhe um creme em estado puro. A curiosidade roía-me mais do que um rato a morder queijo.
Isto é feito à base de ervas medicinais?
Não se preocupe. Isto é uma maravilha.
Torci-me e tentei puxar da lábia, mas estava sem língua.
É tudo caseiro. Nada de químicos.
E isto faz bem ao quê?
Ora dá para as dores de pernas, dos braços, dos pés, da cabeça e da barriga. Dá também para o inchaço, para a comichão e para o formigueiro. É bom para a pele, para os ossos…Tinha o remédio dos aflitos em mãos.
A mulher pediu-me cremes. E lembrou-me à saída: “A vizinha Antónia tinha as pernas em chagas”. Os joanetes eram maiores do que os ossos. A mulher tinha fé em recuperar os pés de adolescente. Olhei-os todos recurvos. Eram feios. Percebi que a mulher trocaria a banha de porco por a banha de cobra. A mulher pediu-me cremes de benzeduras. Levei-lhe cremes com cheiro a charlatães. Na cabeça uma frase: Fazem bem a tudo. Basta acreditar e curam.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Friends...

Falta o grito. Faz falta o espalhar do vento. Chega de formigas em carreiro. Chega de quereres saltar com borboletas vesgas. Espera os dois pés no corredor. Solta o sapato e anda descalço ao sol. Amarra o Nietzsche no fundo do mar. Deixa a racionalidade imperante. Desmonta o sorriso. Cola a boca ao tecto. Já estás no céu-da-boca? Sentes o rio que corre lá dentro? Solta a água e ancora-te. Une-te a gente. Osso, carne e pele…autorizas? Deixa as artérias cravadas em estrelas e joga-te. Garanto-te: Cá em baixo está uma folha verde como trampolim à tua espera, com dois braços próximos do que advém do fundo. Vejo-te com os olhos do exagero do céu, como os passos palmilham a terra.

P.S – Não seremos eternamente felizes, mas seremos, inadvertidamente, amigos sempre…E cada hora mais dentro.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Coisas boas...

Guardo o sabor do limão na boca.
Na verdade, tenho todos os cubos de gelo do Verão num baú do peito.
Fico no espaço do vento. A brisa ficou do lado de fora da parede.
Teço-me na boca das horas de um balão que voa crente.
Quando cai a noite, estico o pé em busca de uma ponta de lençol fresco.
O joelho roda e derreto-me.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Infusão do Azul...

Se achasse que era improvável ficaria presa à manga do tempo. Sacudiria o algodão dos dias e dizia que chegava, somente, os pingos da chuva. Um depósito resguardado da enchente de maré. Mas o meu parapeito entorna. Não guardo paulatinamente as coisas. Não encontro pertença, mas vergo os olhos, esses, que dobram como os braços que abraçam. E em cada arco, uno uma ponta à outra. Fazemos um círculo. Andamos de um lado para o outro, sem linhas com cantos pontiagudos a confundirem a forma. Insolentemente, boiamos à superfície de barrigas para o ar e vidas abertas. Carregados de tardes, de noites e de estrelas ficamos a dois palmos do corpo e cheira à infusão do azul.