quarta-feira, novembro 21, 2007

A chuva que ri...

Andando em caminhos tortos – porque isto não é tudo a direito, como dizem – salpico-me da chuva que cai cega. Regozija-se. Tanto lhe faz molhar a calçada dos peões, os guarda-chuvas, a roupa do varal ou a mim. Imagino que no céu se ri, quando salto de poça em poça. Debuxo que abre gargalhadas fartas, desocupadas do sol. Cá em baixo, vejo-a sentada de perna trocada numa nuvem azul e chora de tanto rir. Olho lá para cima e returco tamanha felicidade. Acho que percebeu que anunciou a primeira cura das searas. Pouco, ou nada, chove. Tiro o capuz da cabeça – movimentos prematuros de quem ainda joga anzóis ao estio – e fico desprotegida, como se tivesse despida, às vontades da estratosfera. Volta a chover. Penso, agora, que esteja deitada numa nuvem a rebolar-se de tanto rir. Encharcada e árida espero a tempestade. Temo os relâmpagos e as trovoadas. Suspeito que assustem os peixes nos lagos e os pássaros tiritem as penas nos ninhos. A mim não me metem pânico, cruzes canhoto. Raios partam os raios.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Recuso-me...

Quero autóctones, aborígenes, nativos, indígenas, vagabundos, aventureiros, simples, vesgos, marrecos, franzinos, gordos, fracos, oprimidos, rebeldes, cobardes, espanhóis, italianos, empreendedores, preguiçosos, audazes, inconformados, crentes, ateus. Desejo gente, mesmo que não tenha piada e que não seja interessante. Não precisam de me ensinar nada, de me perguntar nada. Aceito gente verdadeira de carne, mesmo que não tenha ossos. Não me torrem – abençoando o abraço do sol – é a paciência com falsos moralismos. Não tenho tempo, disposição, vontade, espírito e sorrisos para aspirantes ao poder. Fixem uma coisa: sou estúpida e não sei conversar. Mantenham-se calados e não perturbem a minha passagem do silêncio. Passem de mansinho com um saco na cabeça, com um lençol a cobrir-vos o corpo e não me façam deixar de acreditar. Escondam-se de mim. Tenho medo das pragas que me tentam quebrar os sonhos. Fui dar uma volta, respirando o ar dos puros e das ruas.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Oh tempo volta para trás

Depois de crescer lembro-me de quando era minguante. Comia gelados de gelo, provavelmente provenientes de sumos Tang, usava soquetes e pegava os pirolitos ao céu-da-boca. Não tardaria a perceber que a nespereira poderia ser um baloiço, embora imaginado com muita persistência. Na verdade, uma tábua fazia-me chegar mais perto dos frutos amarelos, que me enchiam a boca de formas e sabor. Resolveram mudar o gás para o quintal. A casinha que guardava as bilhas transformou-se num navio. A proa, essa, era comandada a partir do varão que acolhia a roupa. Como horizonte as mangas dos meus pijamas de ursos, as meias opacas da minha avó, os calções do meu irmão, as camisolas quentes da minha mãe e as camisas finas do meu pai. Um arsenal de tachos espalhados pelo chão. Lá dentro, erva, água e terra. Foi por muito pouco que a minha mixórdia não rivalizou com a sopa da minha avó. No quarto (que apelidaram de brinquedos) uma bateria, legos, barriguitas, um detector de metais, uma concertina, uma pista de carros, outra de comboios, a boneca que torcia a cabeça, a que chorava, o careca vestido de azul, a barbie de cabelos louros, o Ken moreno, a boneca do chapéu, uma máquina de costura, a de fazer sumos, mais tachos, mais coisas, e, por fim, o macaco que punha o dedo na boca. Mas lá fora espreitavam as cabanas nas árvores, o cheiro inesgotável da terra e os papagaios soltos ao vento. Depois, chegaram as noites de escondidas, o bater à porta e fugir, o enganar o homem da taberna, a noite dos castigos, os telefonemas a fingir que era da rádio, o sufoco da noite das camisolas trocadas….e tanto. À noite, continuo a ouvir a minha mãe a chamar-me: Bruna já chega. Amanhã há mais. E eu, hoje, sentada a pedir-lhe: Podes fazer com que me chames esta noite e repitas o mesmo? Prometo não me atrasar e não resmungar para ir tomar banho, mesmo que o cabelo suado me denuncie aos teus olhos.

segunda-feira, novembro 05, 2007

O bando dos 7...

Viemos das folhas do Outono. É assim que me sinto. Trouxemos duas penduradas no carro e infinitas a caírem no tecto da alma. Mandámos rolar 800 quilómetros de amizade. A estrada abriu-se e pintámos cada passo em sete, para nos sentirmos em mil. O sol morno manda que vejamos cidades e que paremos em aldeias. O seu desejo é uma ordem, quiçá tão fácil de cumprir que até faz cócegas.