quarta-feira, janeiro 21, 2009

Politiquinhos


Queria freneticamente que todos fossem assim, depurados. Queria que todos, e até os que nunca poderão ser, fossem só osso e vida. Não me importaria que andassem nus e de chinelo de dedo. Pausadamente sentados numa cadeira de plástico, a olharem a praia vasta. Queria-os com o coração livre e aberto. Sem fato. Queria-os a espreitarem a terra de peito farto. Dar-lhe-ias uma caipirinha de recompensa. Não gostaria de os saber a roer os calcanhares ao poder. Não os queria assim: Como os cães que cheiram o mijo dos seus parceiros e que, depois, mijam aqui e acolá. Colocava-os nos bairros em mangas de camisa arregaçadas e dava-lhes uma sopa atulhada. Gostava que fossem loucos, loucos o suficiente para sentirem. E que fossem gente, mas se serem pragas, ervas daninhas e musgo agarrado. Por mim, seriam políticos felizes, políticos sem gravata. Sem o seu ar patético a destemperarem os domingos, as segundas, as terças, as quartas, as quintas, as sextas e os sábados.
Imagem: Magritte

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Camané

Sim, está a chover lá fora. Estou arrepiada e não é do frio. Hoje, toca-me o Camané no leitor. Toca-me. Dilui-me o tempo e deixa-me quieta. Suspende-me e deixa-me estar. Solve-me de qualquer composto material. Entrega-me ao cheiro das laranjas no pomar e enche-me as paredes de sonhos. Fico-me na ilusão de que o homem seja ainda voz e pele. E de uma só vez leva-me a vida à boca.

Foto: Reinaldo Rodrigues

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Mãe

Foi ontem mãe, mais coisa menos coisa, que me tiveste. Estás igual. Os 26 anos não passaram por ti. Continuas a cheirar a perfume e trazes as mãos com as unhas longas. Não sabes quantas vezes já te vi a pôr verniz. Tantas. Já não durmo na tua cama, resolvi ter um espaço meu. Mas tem dias que me aninho no teu leito, normalmente com o acordar das manhãs. Não imagino como um corpo como o teu me pode ter suportado. Se não fosse verdade, duvidaria. Bem sei que não te sai nas semelhanças. Somos diferentes. Tenho a pele mais morena, o cabelo mais escuro, os dedos maiores do que os teus e o meu tamanho já te abraça por cima. Sou teimosa e tu és mais conformada. Não nos vestimos de modo igual e bem sei que, muitas vezes, me gostarias de ver de blush rosado. Tenho os meus aspectos e tu tens os teus. Somos uma face da mesma moeda, mas tu és a coroa e eu sou a cara. Tem vezes que o bater do teu coração se ouve mais perto da minha boca. E tento remendá-lo, quase sempre sem jeito, sem nexo. Depois, voltas a sorrir e a perguntar muitas coisas. Tantas que me deixas confusa. Mudamos muitas vezes de linha, desafinados, desatinamos. Voltamos a sintonizar-nos na mesma estação. Irrito-me e tu ris. A timidez muitas vezes ata-me os braços e retrai-me o atrevimento. Deveria de ser mais fácil dar-me. Alinhas a vida à esquerda, normalmente no mesmo sentido em que bate o coração. Acho que aprendi a fazer isso contigo. E, não sabendo como, quebro-me muitas vezes e sinto coisas apertadas cá dentro. É a vida, diria a avó. Ambas não herdámos a sua perseverança. Muitas vezes pensei porque não me tiveste em Julho. Janeiro, decididamente, não é o meu mês. E sem haver nada a fazer, não te preocupes, porque imagino sóis nas persianas. Repara que tenho muitas coisas para te dizer, mas perco-me. Não há forma original de te mostrar. Um dia pintei uma pedra e fiz dela um ouriço. Ainda a tens na secretária e fizeste dela um pisa-papéis. Depositei nela todo o meu empenho e orgulho-me de seres tu que a estimas. Mãe, não poderia ter crescido melhor e não haveria melhor ventre para nascer.