segunda-feira, dezembro 29, 2008

dentro

É com as mãos fartas de tudo que digo que o que respira nem sempre vive. Da mesma forma que aniquilo a vontade de saber se as borboletas voam mais no estômago ou no ar. Não me interessam os factos, interessam-me as raízes.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Silêncio

O que me apetece é o silêncio.
A voz calada. Parada e enxuta de saliva.
Desejo dobrar a língua com um nó. Amarra-la até as cordas do som.
Sacudir as palavras para lá, para longe.
Redimir-me à vontade de nada dizer. Ficar sem poesias.
Estranha vontade de ficar oca, vazia e sem floridos.
Quero depurar-me de tudo e depois, só depois, voltar a encher-me.
Traficando vontades, sentindo-lhes o cheiro e o sabor.
E secretamente ir sabendo dos tremores dos desejos.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Colchões

O corpo gelado de um lado. Só de um. O outro quente, tampado pelo edredão. Rolei sobre o colchão a minha preguiça de Outono. Um bordado no colchão a indicar com uma seta o Verão para cima. Chegou-me, neste preciso momento, a nostalgia. Era dos tempos em que eu não tinha braços compridos e insistia com a minha mãe em querer virar o colchão, consoante a estação. Era do tempo em que este ritual existia duas vezes por ano: Verão e Inverno. Abstinha-se a Primavera, o Outono. Frio e quente. Fora com o morno. Os colchões não têm meios termos nas temperaturas. Sempre me fez confusão estas almofadas gigantes terem duas texturas. No fundo, nunca acreditei e sempre disse que isto só foi feito para dar dinheiro aos senhores das etiquetas e para fazer com que os compradores sentissem que tinham um colchão multifunções, multiestações, multicompleto. Isto de virar o colchão era um momento familiar. Eram precisos, no mínimo, quatro braços. Tinha-se a noção do aconchego do lar. Era uma reunião, embora que em torno de um objecto. Um momento de pura discussão. Vira para a esquerda. Cuidado com a cabeça. Roda agora para a direita. Já está fora do estrado. Uma partilha completa. Hoje, creio que as pessoas já não se reúnem para virar colchões. Creio mesmo que já quase não se reúnem para nada. Caso se lembrem de virar o colchão, arranjam uma espandilose e uma dor de rins, pelo menos, que dure uma semana. E depois compram colchões óptimos para a coluna, porque é aborrecido ter de partilhar com alguém o virar do abrigo do corpo ao contrário. Mas cada um sabe de si e cada qual sabe do seu colchão. Imagem: Colchões 01 - Revista ViverBemilustração e colagem digital