quarta-feira, janeiro 30, 2008

Cotton Candy

Um dia arranjo uma bola de algodão doce gigante
que atire açúcar do céu
Abram as bocas ao ar.
Tenho para mim que
há demasiado vento e doce a menos.
Aconselharei corante suficiente
para dar vida aos cinzentos.
Depois,
que voe o algodão e
que fique
só algo
do que
dão.



Foto: Alex Webb

sexta-feira, janeiro 18, 2008

À hora de almoço

Como não sei pintar, tricotar, bordar e evangelizar, entretenho-me com coisas mais fúteis. Não fosse a máquina secular da minha bisavó ter morrido durante a minha infância e poderia ter dado uma boa costureira de província. Acredito que seria uma satisfação para quem, como eu, não sabe fazer bainhas. Não sei dizer a Ave-maria. Ficou-me o pai-nosso de cada dia que aprendi na escola. Temo que, lá em casa, sejamos todos castigados – exceptuando a minha avó – por não sabermos os desígnios de Deus. Sei cozinhar uma coisa ou outra, mas nada que encha o estômago a um bom garfo. É triste, mas é verdade não sou um bom partido para casar. Ainda assim, tento aqui dizer que é algo que não me importa absolutamente nada. Afinal, um dia destes aprendo a fazer tapetes de Arraiolos e ficou uma mulher e pêras. Assim, admito-me uma inútil e é só por isto, simplesmente por este motivo, que me entretenho a avaliar a vida de quem passa. Sou, por certo, uma praga. Fico parada e tento adivinhar o que faz cada um. No restaurante em que almoço conheço um monte de gente de vista. São meus conhecidos. É como uma grande família que nem precisa de falar, mas que sente a falta quando algum membro não chega. No fundo, somos unidos. Tenho para mim que o homem calmo que chega com um livro com a capa ocultada pertence a uma seita. Da mesma forma que a família que se pendura no pescoço um dos outros, vezes sem conta, são umas lapas do pior. Parece que não se vêem há séculos, babam-se uns aos outros e comem quase nada. Os cavaleiros da Távola Redonda são os típicos tios porreiros que usam camisas aos quadrados e casacos pelos ombros. O casal que me faz reavivar a memória, com os antigos modelos da moda, lembra-me a minha mãe quando nasci. E, por fim, a família dos feios, sujos e abandalhados. A minha vizinha do lado, companheira de tais divagações, diz-me que o homem é engenheiro e que a mulher é professora. E depois, confiante argumenta: “Já os ouvi a ter conversas científicas”. E, eu, perante isto quase que dou o braço a torcer. Mas insisto: “Ela pode trabalhar num centro de saúde, ou numa repartição de finanças e ele faz a contabilidade dos senhores de bem da cidade”. E julgo ser altura de tornar-me uma mulher útil. Mas só daqui a mais um bocadinho, porque agora vou almoçar.
Fotografia: Martin Parr

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Interrogações ou algo do género

É do tempo a vida e a vida é do tempo. E se, em algum momento, o são em simultâneo, então, são-nos em nós. Presto-me a tamanhas pretensões de sabedoria tosca. Sou, por natureza, crente nos que não sabem o que dizem. Pode parecer confusão de sentidos, de dias avariados e da falta dos pés de laranjeira que não cresceram na cabeça. Admito que não tem nexo. Então, estendo-me à púrpura e ergo-me à explicação. São inatos os soluços que me saltam do peito. Os prazos não reduzem a validade do que se tem. A todas as horas me saltam lampejos dos olhos. Sinto o frio que advém das estações, da água e das montanhas. Queima-me o calor que chega do sol, do Alentejo e dos abraços. Dir-se-ia que para além de gente sou uma sortuda. E sempre que o tempo vem longe e ainda está no Norte, a vida decorre em festa, aqui, no Sul. Como quem dança até ao fim do corpo e devagar vive todas as coisas, cada dia mais dentro. E porquê o medo? O maldito paira-me acima dos ombros. Chega breve e torce-me os dedos. Dá-me a primeira herança dos humanos, a fragilidade. Entrega-ma em mãos. Depois, desenrasca-te. Nomeia-me, em nome dos balões ténues do coração, à tensão dos que se ama. O danado, de mansinho e desfigurado, segue caminho. E aqui fico, como quem espera que por cá tudo bem.

Fotografia: Herbert List

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Sofá...

É bom ter maças de sobra, redondamente à nossa espera. Sabe-me a mel não ter os bancos de castigo, não alugar as almofadas à fadiga e ter um tempo inteiro a suspirar de vagar. É um prazer pendurar as pernas, jogar os sapatos – por ali, tortos e de cordões abertos –, deitar a roupa pesada à cadeira e afundar-me em moleza. O sofá lá de casa sabe-me a nuvens.