terça-feira, março 18, 2008

A minha avó deu banho ao cão

A minha avó deu banho ao cão. Disse-me que estava imundo. Soou-me a vadio. Olhou para mim com cara de urso e sorriu. Sente-se bem na pele dos que correm a calçada a cheirar as ervas. O pêlo escorrido denunciou uma distante ida à rua sem trela. Quando o cão toma banho é como se envergasse uma roupa nova. Na verdade, a minha avó veste-lhe o melhor fato de cerimónia. Dá passeios de cão de madame. Não é farto nas convivências, nas descobertas. Não corre com a língua traçada a esbanjar alegria. Um dia segredou-me que é mais feliz com pulgas e com lama. Olhei para o cão e lembrei-me de mim em dias importantes. Vestiam-me as meias aos losangos até aos joelhos, a saia, a camisa branca e punham-me a fita no cabelo. Depois, os baloiços chamavam-me, a areia entrava nos sapatos, as meias enchiam-se de terra, a camisa branca voltava às manchas e, pelo caminho, ainda esfolava os joelhos. O cão (amarelo, preto, branco, castanho) cheira a sabão de humano e deixou de ser cão; mas, vale-se da terra do limoeiro, das escapatórias sorrateiras e da memória terna e curta da minha avó.

quarta-feira, março 12, 2008

Quando o tempo me pausa...

Tiro este tempo que me sobra do bolso. Tiro-o das fronhas das calças, dos esconderijos denunciados e dos papéis sem nexo. Não tem muita importância de onde o tiro. Apraz-me saber que o tenho e que o posso inundar a qualquer momento. Por vezes, apetece-me mergulha-lo em saliva, em beijos quentes. Devoro-o como o chocolate a derreter boca abaixo, pescoço dentro, dedos acima. Tenho-o das infinitas horas com regalias de descanso. Sobrou-me dos dias sem paciência para a conflagração das regras. Paro-me às 17:45 a perfurar pensamentos ávidos. Estou a rebolar de vagar. Assisto invertida às mulheres que passam carregadas de sacos com repolhos e aos homens que passeiam os corpos moles em carros. Fico-me saciada dos seres e das vidas urbanas. Vou para casa. Na minha terra cheira a verde e, a esta hora, os meninos andam de bicicleta com a testa suada de riso.

sexta-feira, março 07, 2008

É isto...

Os dias por aqui vão andar em carrossel, porque eu quero, porque a vida anda à roda e porque ao tempo é isto que lhe apetece. Podes dizer-me a que sabem as metades de laranjas divididas?