quarta-feira, março 28, 2007

Grau geográfico

O hábito é atribuir nomes às coisas. Diferenciar, separar, ordenar. Comodidade? Talvez! Mas uma coisa é certa, todos temos uma marca, um registo, um rótulo, um carimbo. Maria, António, José, Filipe, Luís, Francisca, Dulce, Daniela, Ricardo…Porém há quem tenha mais do que isso. Para além do selo atribuído à nascença, é ainda brindando com mais um nome. Todos, ou quase todos, temos um vizinho Manuel, uma vizinha Maria, um vizinho António, uma vizinha Joaquina e um filho do vizinho Manuel e uma filha da vizinha Joaquina. Aqui o registo perde-se e o nome é substituído, por o nosso grau de proximidade geográfica. E depois perguntam: Então não sabes quem é X? É o filho do meu vizinho Manuel! Qual vizinho Manuel? O que é casado com a vizinha Joaquina! Que é prima da minha vizinha Lurdes? E por ai adiante…Mais do que o nome há algo que é eterno, o grau de vizinho simpático. Há um certo gozo em ofertar as pessoas. Talvez seja uma confissão do tipo: Não é da família mas é muito próximo. Afinal mora logo ali ao lado da minha vida. Porque afinal Manuel há muitos, mas vizinho Manuel há, somente, o de cada um.

sexta-feira, março 09, 2007

Praça

O tempo não volta. Isto é uma questão de sabedoria popular que já ninguém desafia. O tempo ficou lá, no próprio fundo do tempo. Mas, voltam as raízes do pensamento, essas, que insistem em não ficar como restos de vinho na garrafa. Voltam as vidas que foram mais do que temporalidade e que sobressaem à efemeridade da existência. Na praça, nessa manhã, falou-se aparentemente de gente morta. Falou-se dos que já não existem, ou dos que, pelo menos, já não se encontram sentados nos bancos de pedra. Aparentemente, tudo gente morta. Aparentemente, tudo gente distante. Aparentemente, tudo gente que já não volta. Mas tudo aparentemente. Na praça, nessa manhã, falou-se de vida. Imortalizaram-se momentos, fez-se vénia à saudade e fez-se jus à mortalidade. Na praça falou-se de mortos que, mais do que mortos, foram/são pessoas. Na praça brindou-se à melhor essência da existência. Na praça, há imortalidade no que amamos. Na praça, não aparentemente, há sempre gente.