sexta-feira, dezembro 28, 2007

Equinócio

No lugar da passagem de ano o Equinócio.
Uma madrugada sem carimbos de festa.
Sem mil frases iguais
Repartidas por bocas mil
Onde nada estoire no céu.
No dia seguinte, vejam a chegada calma das andorinhas.
Pendurem beijos fragéis
Para depois…
Para depois dos tempos
e dos homens que acreditam nos milagres dos calendários.



Imagem: ComposiçãoFotogTheGreatPanhomlinis

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Preguiça...

É amanhã que chego da preguiça. É amanhã que cantarei às folhas que podem voltar a crescer. Os pés descalços vão deixar de beijar o soalho e as botas não escaparão à chuva. O Inverno sairá da toca – abrirá os olhos e verá luz cinza. Não julgo reconhecer um novo alvorecer, não absorvo as manhãs inchadas de sono. Despertarei convencida de que ainda é Dezembro. Os troncos das árvores, esses, vergarão mais do que o meu corpo ao vento. Vou voltar a ligar a cabeça à terra e fazer de mim uma seara à espera de água. A lareira terá de ficar para os momentos ocos. Hoje, continuo tosca e pergunto às nuvens se também faz frio no céu.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Horas...

Dizem que a melancolia das horas não são mais do que frascos vazios.
Sobre elas, digo que se debruçam pickles azedos que fazem azia às barrigas.
Sei bem que o que arde não cura, mas invejo a paciência das feridas abertas ao ar.
Tenho, contudo, menos tolerância para os relógios de parede.
No peito apetece pontas de narizes geladas.

quarta-feira, novembro 21, 2007

A chuva que ri...

Andando em caminhos tortos – porque isto não é tudo a direito, como dizem – salpico-me da chuva que cai cega. Regozija-se. Tanto lhe faz molhar a calçada dos peões, os guarda-chuvas, a roupa do varal ou a mim. Imagino que no céu se ri, quando salto de poça em poça. Debuxo que abre gargalhadas fartas, desocupadas do sol. Cá em baixo, vejo-a sentada de perna trocada numa nuvem azul e chora de tanto rir. Olho lá para cima e returco tamanha felicidade. Acho que percebeu que anunciou a primeira cura das searas. Pouco, ou nada, chove. Tiro o capuz da cabeça – movimentos prematuros de quem ainda joga anzóis ao estio – e fico desprotegida, como se tivesse despida, às vontades da estratosfera. Volta a chover. Penso, agora, que esteja deitada numa nuvem a rebolar-se de tanto rir. Encharcada e árida espero a tempestade. Temo os relâmpagos e as trovoadas. Suspeito que assustem os peixes nos lagos e os pássaros tiritem as penas nos ninhos. A mim não me metem pânico, cruzes canhoto. Raios partam os raios.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Recuso-me...

Quero autóctones, aborígenes, nativos, indígenas, vagabundos, aventureiros, simples, vesgos, marrecos, franzinos, gordos, fracos, oprimidos, rebeldes, cobardes, espanhóis, italianos, empreendedores, preguiçosos, audazes, inconformados, crentes, ateus. Desejo gente, mesmo que não tenha piada e que não seja interessante. Não precisam de me ensinar nada, de me perguntar nada. Aceito gente verdadeira de carne, mesmo que não tenha ossos. Não me torrem – abençoando o abraço do sol – é a paciência com falsos moralismos. Não tenho tempo, disposição, vontade, espírito e sorrisos para aspirantes ao poder. Fixem uma coisa: sou estúpida e não sei conversar. Mantenham-se calados e não perturbem a minha passagem do silêncio. Passem de mansinho com um saco na cabeça, com um lençol a cobrir-vos o corpo e não me façam deixar de acreditar. Escondam-se de mim. Tenho medo das pragas que me tentam quebrar os sonhos. Fui dar uma volta, respirando o ar dos puros e das ruas.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Oh tempo volta para trás

Depois de crescer lembro-me de quando era minguante. Comia gelados de gelo, provavelmente provenientes de sumos Tang, usava soquetes e pegava os pirolitos ao céu-da-boca. Não tardaria a perceber que a nespereira poderia ser um baloiço, embora imaginado com muita persistência. Na verdade, uma tábua fazia-me chegar mais perto dos frutos amarelos, que me enchiam a boca de formas e sabor. Resolveram mudar o gás para o quintal. A casinha que guardava as bilhas transformou-se num navio. A proa, essa, era comandada a partir do varão que acolhia a roupa. Como horizonte as mangas dos meus pijamas de ursos, as meias opacas da minha avó, os calções do meu irmão, as camisolas quentes da minha mãe e as camisas finas do meu pai. Um arsenal de tachos espalhados pelo chão. Lá dentro, erva, água e terra. Foi por muito pouco que a minha mixórdia não rivalizou com a sopa da minha avó. No quarto (que apelidaram de brinquedos) uma bateria, legos, barriguitas, um detector de metais, uma concertina, uma pista de carros, outra de comboios, a boneca que torcia a cabeça, a que chorava, o careca vestido de azul, a barbie de cabelos louros, o Ken moreno, a boneca do chapéu, uma máquina de costura, a de fazer sumos, mais tachos, mais coisas, e, por fim, o macaco que punha o dedo na boca. Mas lá fora espreitavam as cabanas nas árvores, o cheiro inesgotável da terra e os papagaios soltos ao vento. Depois, chegaram as noites de escondidas, o bater à porta e fugir, o enganar o homem da taberna, a noite dos castigos, os telefonemas a fingir que era da rádio, o sufoco da noite das camisolas trocadas….e tanto. À noite, continuo a ouvir a minha mãe a chamar-me: Bruna já chega. Amanhã há mais. E eu, hoje, sentada a pedir-lhe: Podes fazer com que me chames esta noite e repitas o mesmo? Prometo não me atrasar e não resmungar para ir tomar banho, mesmo que o cabelo suado me denuncie aos teus olhos.

segunda-feira, novembro 05, 2007

O bando dos 7...

Viemos das folhas do Outono. É assim que me sinto. Trouxemos duas penduradas no carro e infinitas a caírem no tecto da alma. Mandámos rolar 800 quilómetros de amizade. A estrada abriu-se e pintámos cada passo em sete, para nos sentirmos em mil. O sol morno manda que vejamos cidades e que paremos em aldeias. O seu desejo é uma ordem, quiçá tão fácil de cumprir que até faz cócegas.

quarta-feira, outubro 31, 2007

A cigarra que canta à semente...

A semente cresceu ao lado de uma cigarra. Engrandeceu verde e caiu amarela. Entrou pele adentro da lama. Respirou com o mesmo ar dos pulmões e cuspiu a única sede que a terra lhe pediu, água. Redondas continuaram as cabeças dos homens dos bancos, a fazerem contas de subtrair às almas. A cigarra cantou. A semente brotou. O homem entediou-se, mas continuou vestido de fato. A cigarra voltou a cantar, ao lado da semente que cresceu. Só ambas sabem da perícia da arte de ser. Na paisagem fulgura um abraço em jeito de carícia à vida.

terça-feira, outubro 23, 2007

Parvos como eu...

Ainda que as margens não tenham linhas.
Que as asas se atirem às penas.
E que as rectas percam os pontos.
Gosto é de parvos como eu.
Por dentro.

quarta-feira, outubro 17, 2007

Outono

O Outono caiu. Não que tenham chegado as folhas partidas. Os homens pisam-nas, mas elas voltam a brotar de verde. Pareceu-me que o Verão foi até à 5 minutos. Quase que diria que, ontem, o sol escaldava quente nos dedos. Depois, arrefeceu a vontade de saber. Procurar ficou como um sítio vago, sem fundamento. A busca permanece nos feixes de lâmpadas do corpo. Tudo a cor de amarelo-torrado. Expectantes ficaram as letras. As leituras já nem utilizam os olhos. Estão descrentes no palavreado fácil. Topam a léguas a falta de senso. “É a vida”, dizem os seres. Preguiça de querer saber, se é que quero, porque raios mudam as estações da alma em horas? Eu sei, são as pessoas que influenciam as cores e, ainda mais, o calor do peito.

terça-feira, outubro 09, 2007

A ver camélias...

A cabeça deitada sobre a mesa. É assim que deve ficar. Abismos de prudências. Digo isto, salvaguardando-lhe a forma, o medo, as ganas, o imaginário. Descanso o desassossego de lhe dar utilidade. Pausa de pensamentos. Lá fora, continuam a crescer as camélias ou as rosas-do-japão. Chamem-lhe o que quiserem, mas não lhe desafiem é o cheiro. Com a cabeça na mesa, são do comprimento da minha altura que cresceu sem aviso prévio. Um dia estiquei-me e fiz-me gente. Um bom girassol dá-me, mais ou menos, pela barriga. Não se trata de sonolência. Não é preguiça. É, somente, o tempo todo adiado a ver camélias puras.

quinta-feira, outubro 04, 2007

A(braços)...

Diz-se coisas ao ouvido. Tantas, várias, muitas. Como silêncios que não falam. Tantos, vários, muitos. Devem ser como as laranjas nos pomares. Muitas, tantas, várias. E como as cordas do pescoço, que pautam notas. Uma, duas, três. As frases adiadas nas vozes loucas. Várias, tantas, muitas. De tanta gente alienada. Muitos, tantos, vários. Claro, parecem-me infindos. Tantos, muitos, vários. Cálida a expulsão do eco: Queres, que…re...s? O quê? Abraços, abr…aç…os. Tantos, muitos, vários. Um, dois, três…infinitos!

terça-feira, setembro 25, 2007

Essa coisa do fazes-me falta...

Dir-se-ia, facilmente à boca cheia, que os tempos não contam. Que as horas juram que são fictícias verdades. Que a distância se encurta. Que a saudade contamina, até quando se adormece. Que estamos sempre à distância de um abraço. Questões do corpo relevantes à intensidade. Falo, sinto-vos consequentemente. Pego nas fotografias. Viro-as ao contrário. Deixo-nos de pernas para o ar. Sorrio. É a amizade, diz a voz do sopro ao ouvido. Descalça, desço a rua de calçada. Dobro para o céu e lá estão de cabeça para baixo. E descortino nas formas brancas das nuvens: Estamos a caminho. Os pés seguem balanço. Que se jogue ao chão a ausência com pó. É válido. Cheira a malmequeres com pétalas a voar. No fim, a última folha cessa: Bem-vos-quero.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Discurso do fundo...

Eis que me dá vontade de dizer o que não sei. Solto a língua. No encaixe da boca ficam as palavras, que minguam com a crença de nada saber. Volto a transpor a vontade de ser mais do que papel fosco. E apercebo-me o quão tosca é a mentira dos que sabem falar. Tenho dito: Ninguém discursa com a voz do fundo quando se aclama o que se sente. Perde-se metade na distância do coração à boca. Presunção de dizer o que se gosta. Sim, sente-se. Mas sem polegadas. Apetece-me dar-te bolas de água cheias de mim, para que as engulas e sintas o sabor do que me fazes paladar. Queixo-me mais ao eu do que a ti. Sem delongas, acredito piamente nos arrepios do corpo e curo a intenção de gastar canetas que os escrevam para fora. Calo-me. Nada digo que jeito tenha.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Seja lá isto o que for...

Jogaram o firmamento por ali, abaixo.
Como as molas que voam das cordas da roupa.
Os pés rolaram para o fundo sem balanço de chão.
Jogaram o nimbo por ali, acima.
Como as formigas se jogam para cima dos miolos.
As mãos afundaram-se nas almofadas de esponjas às cores.
Jogaram a limpidez para o lado.
Por molhar ficaram as línguas secas.
Os dentes cerraram como uma arca velha.
Jogaram a sorte e espalharam-na nos espaços dúbios.
Chegou-te alguma ao coração?

quarta-feira, setembro 05, 2007

Ando a querer...

Na barriga das nuvens vou plantar girassóis a dobrar.
Quando não houver sol, afasto o vento e meto-os de pá para o ar.
Depois, darei a volta ao mundo, com a boca inundada de melancia.
Na volta, trago as bochechas carregadas de cheiros de gente.
Tudo à maneira da vontade e do sorriso.

sexta-feira, agosto 31, 2007

Poção dos aflitos

A mulher pediu-me cremes. Loção que faz passar as dores. Boiões brancos sem marcas. Mesinhas caseiras. Era isto que a mulher queria. Tinha os joanetes em brasa. Os sapatos pulavam na carne como as formigas fogem da água. À esquina havia a loja. Dentro da loja, havia o homem que fazia os cremes. Ao balcão estava a mulher do homem que vendia a cura. Lá dentro, as estantes de madeira com bicho estavam carregadas de coisas. Basicamente, pastas dentífricas, pentes de dentes largos, cafeteiras, champôs, ganchos para o cabelo, panelas, toalhas, fogareiros e vassouras. Tudo e cremes milagrosos, sem estarem à vista. Negócio clandestino de quem ainda não patenteou a obra.
Vendem-se cremes para as dores?
Claro, menina!
O saco transparente para pôr fruta alojou a poção. Não havia uma indicação, muito menos contra-indicações. Deduzi que fosse para todos os males do corpo e com sorte daria para espalhar sobre os da alma. A mulher pedia-me cremes. Levei-lhe um creme em estado puro. A curiosidade roía-me mais do que um rato a morder queijo.
Isto é feito à base de ervas medicinais?
Não se preocupe. Isto é uma maravilha.
Torci-me e tentei puxar da lábia, mas estava sem língua.
É tudo caseiro. Nada de químicos.
E isto faz bem ao quê?
Ora dá para as dores de pernas, dos braços, dos pés, da cabeça e da barriga. Dá também para o inchaço, para a comichão e para o formigueiro. É bom para a pele, para os ossos…Tinha o remédio dos aflitos em mãos.
A mulher pediu-me cremes. E lembrou-me à saída: “A vizinha Antónia tinha as pernas em chagas”. Os joanetes eram maiores do que os ossos. A mulher tinha fé em recuperar os pés de adolescente. Olhei-os todos recurvos. Eram feios. Percebi que a mulher trocaria a banha de porco por a banha de cobra. A mulher pediu-me cremes de benzeduras. Levei-lhe cremes com cheiro a charlatães. Na cabeça uma frase: Fazem bem a tudo. Basta acreditar e curam.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Friends...

Falta o grito. Faz falta o espalhar do vento. Chega de formigas em carreiro. Chega de quereres saltar com borboletas vesgas. Espera os dois pés no corredor. Solta o sapato e anda descalço ao sol. Amarra o Nietzsche no fundo do mar. Deixa a racionalidade imperante. Desmonta o sorriso. Cola a boca ao tecto. Já estás no céu-da-boca? Sentes o rio que corre lá dentro? Solta a água e ancora-te. Une-te a gente. Osso, carne e pele…autorizas? Deixa as artérias cravadas em estrelas e joga-te. Garanto-te: Cá em baixo está uma folha verde como trampolim à tua espera, com dois braços próximos do que advém do fundo. Vejo-te com os olhos do exagero do céu, como os passos palmilham a terra.

P.S – Não seremos eternamente felizes, mas seremos, inadvertidamente, amigos sempre…E cada hora mais dentro.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Coisas boas...

Guardo o sabor do limão na boca.
Na verdade, tenho todos os cubos de gelo do Verão num baú do peito.
Fico no espaço do vento. A brisa ficou do lado de fora da parede.
Teço-me na boca das horas de um balão que voa crente.
Quando cai a noite, estico o pé em busca de uma ponta de lençol fresco.
O joelho roda e derreto-me.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Infusão do Azul...

Se achasse que era improvável ficaria presa à manga do tempo. Sacudiria o algodão dos dias e dizia que chegava, somente, os pingos da chuva. Um depósito resguardado da enchente de maré. Mas o meu parapeito entorna. Não guardo paulatinamente as coisas. Não encontro pertença, mas vergo os olhos, esses, que dobram como os braços que abraçam. E em cada arco, uno uma ponta à outra. Fazemos um círculo. Andamos de um lado para o outro, sem linhas com cantos pontiagudos a confundirem a forma. Insolentemente, boiamos à superfície de barrigas para o ar e vidas abertas. Carregados de tardes, de noites e de estrelas ficamos a dois palmos do corpo e cheira à infusão do azul.

terça-feira, julho 31, 2007

Goldfish...

O meu peixe tem rodas.
Anda sobre um carrinho de linhas.
Não mergulha, mas desliza.
O meu peixe tem mais cores do que muita gente.
A gente gosta do peixe e ele acha-se com piada.
O meu peixe é um dos felizes do mundo.
Não está num aquário.
É feito de retalhos.
O meu peixe não foi tirado do mar, mas cheira a sal.
O meu peixe não se come. Vive.
Não foi pescado.
Porque o meu peixe é de amor cristal e o transparente só se contempla na água.

quarta-feira, julho 25, 2007

Informações...

Ando, mais ou menos, numa bola de sabão. Sem nuvens de vento. O sol agita-me a melanina. Os olhos estão tresloucados e as pestanas lisas. Se me quiserem coisas estou a esfarrapar a vida em qualquer esquina.

segunda-feira, julho 16, 2007

A ti...

Nunca pensei muito que me carregaste.
Há dias que me apetece cair.
Lembro-me: porque andaste comigo de um lado para o outro?
Tantos sonhos em mim.
e o meu maior feito é ter nascido.
Foi, somente, o de ter vindo cá.
Demais, ando inquestionavelmente por aqui.
Retorna-me a ti.
Há coisas que deveriam ficar sempre num lugar.
Na tua barriga quente.
Grávida de mim.

sexta-feira, julho 13, 2007

Musa Crew...

A tarde estava assim para o quente. Eram 15:30 no Alentejo de Verão. A vontade de ir era muita. Pelo menos, a suficiente para por a carrinha, a menina, a wadadinha, a carrinha da tribo do sol…Enfim como lhe queiram chamar, a rolar na estrada com temperaturas elevadas. Roda atrás de roda e o alcatrão a ficar para trás. Três tripulantes e dois penduras no carro de trás. Perdão. Três penduras, que o Alex também conta. No princípio éramos seis a caminho do Musa Crew.
Tentámos, embora que em vão, colocar a menina dentro do recinto. Tínhamos bilhetes. Não tínhamos era credenciais. Meia volta e praceta do Girassol no horizonte. Telefonemas da malta – que por azar vive na terra onde a câmara é comandada pelo Isaltino Morais – a dizerem: Já os vimos! Gente que se trata bem a comer, a beber e nós na busca de comida. Meninos, de não se ficarem por bifanas e hambúrgueres, instalados de fronte para o mar.
Mais um passo, outro e estávamos dentro do festival a ver as ceninhas. Espanto. A cerveja era Tagus e não havia volta a dar. Música nos ouvidos, vento no cabelo, risos e nós a encontrarmos o resto da tribo. Já éramos muitos mais do que seis.
Há gente especial neste Mundo? Há. São uns quantos. Preocupas-te? Sim, sei bem a água que gastaste no Verão passado. Podia ser o mote de um anúncio, mas não é. Aliás, até porque já vão começar as Chiquititas na televisão e isso é q.b. Qualquer coisa que venha a seguir a isso não é mais do que nada. Portanto, é apenas a união de gente e de mentes que flutuam juntas.
Mais música, alegria e amizade vasta até ao rebentar da noite. Mas qual noite? Havia cama? Havia para onde ir? Mas, só porque a canalha até é ecológica, pensou: Onde vamos nós dormir? Isso logo se vê. Pode ser em qualquer coisa que lembre ar livre e campo. Olha, podia ser assim num sítio com o nome de uma flor! Praceta do Girassol? Sim, somos rurais e depois!
A rapariga revoltada com o Isaltino em altas (passo Casanova). Sim, porque inventou um novo passo de dança (coisa digna de qualquer pessoa apreciar) confiante na nossa dormida, proferiu o que qualquer um precisava de ouvir (só assim para nos confortar). – E tão fixe. Vão dormir aqui? É que se deve dormir mesmo bem! E são quantos? Oito? (Só para que conste o colchão era de dois). Somos amigos é verdade, mas precisamos de espaço!
Mais risadas. A noite prometia. O passageiro do carro do lado mais o Alex em tronco nu, mas o espaço era apertado. A buzina atrapalhava. Os outros dois passageiros mais confortáveis e nós três – os melhores instalados graças à menina, à wadadinha e por aí. Contudo, não nos invejem meus amigos a noite foi longa tivemos uma polifonia connosco.
Novo dia, novas paragens. Praia de manhã. Gente toda amontoada. E nós vamos mas é para Sintra. Tempestade de areia, sempre a trepar, paisagem nos olhos, sorrisos na boca e gente desesperada por um frango. Noite dentro, o boom deu-se. Primeiro, houve um menino que se emancipou e colocou um brinco (já és um fixe a 100 por cento) e depois os Skaparapid levantaram muito pó. Bem mais do que o vento. Gente louca não se deveria de juntar nunca. Muita festinha. Os asseadinhos juntaram-se a nós e renderam-se à nossa praça. Manhã, pequeno-almoço no café que nos deu um jeito sem medidas. Era domingo e o fim-de-semana só termina na segunda. Então, vamos comer umas sardinhas, beber uma sangria branca (cara), mas fresca e boa em Sesimbra. A viagem não terminou fomos ver as coisas desse senhor que se intitula por Berardo. Ele há deleites na existência que não se medem.

terça-feira, julho 03, 2007

Multiplicação das coisas

Deixo hoje, só por ser hoje, o caminho engordar. Não quero ser omnipresente. Não vislumbro a eternidade a um passo de casa. Na folha verde da minha rua, numa tília, deixo cair o embalar da noite. O dia já se embala a si. O poste de electricidade tem mais altura do que eu e não é por isso que o sinto grande. Acho que é torto e desajeitado no firmamento. A minha vizinha tem um cão igual ao nosso. Mas o meu ladra mais e ela é que é uma menina. Late quase tanto como algumas pessoas. Farei ainda hoje, só por ser hoje, a multiplicação das coisas…Para que deixe umas quantas na minha rua e traga tantas outras no meu bolso.

quinta-feira, junho 28, 2007

Trocadilhos

Faz de conta que estive, mesmo quase, a terminar o conto. A acabar a reportagem. A preparar o trabalho que se segue. Faz de conta que não fui beber aquela água de chã, em que estou viciada. Que não me ri. Que a noite não acabou mais tarde do que devia e que não me deitei com a lua no alto. Faz de conta que o dia vai ser curto e que não há trabalho. Faz de conta e conta o que me faz, tudo num trago.

segunda-feira, junho 25, 2007

Apetece-me e pronto

Apetece-me andar com os chinelos na cabeça, só porque a lei da gravitação da minha mente atrai o chão.

segunda-feira, junho 18, 2007

Entretanto...

Sacudido que vem o dia não tropeço rua abaixo, rua acima.
Na horizontal estou, mais ou menos, entre as formas de resignação empoleirada no tronco da árvore do corredor esquerdo, onde vira cada esquina da casca. No mesmo barulho do vento sacudo a poeira e volto à minha beira.

sexta-feira, junho 15, 2007

Histórias nossas

Cinco pessoas, um punto e um candeeiro. Poderia ser a história de qualquer livro infantil, mas é história de gente grande, ou que já pensa que o é. As rugas, essas, só valem quando chegam ao cérebro. Então nós mais a sul, o carro apinhado, as conversas que o temos de trocar mais do que gastas. Porque raio não se compra um carro novo? Porque a essência é mesmo essa, bens materiais não fazem falta a ninguém e por aí. E o carro a ouvir discussão de gente feliz. Mais um passo, outro, o carro apinhado. Vilamoura no horizonte, risadas e reviradas de olhos. Auto-estrada cheia, em caminho de Agosto. Carrinhos passam completos de gente que vai descansar por quinze dias, as férias do ano. Essas em que se acabam com os trocos e em que se comem gelados à noite na marginal. Os filhos querem tudo. Os pais dizem que já chega e que já se foi o subsídio de férias. O marido anda feliz com a mulher. A mulher anda feliz com o marido. Os meninos apanham praia e às vezes comem uma bola de Berlim na areia. O descanso é pleno. À noite compram um frango assado e comem na varanda da casa alugada. Isto é que é qualidade de vida diz, normalmente, o pai. Olham em frente, os vizinhos também estão a comer. Os homens estão em tronco nu e as mulheres cheiram a champô e a creme para depois do sol. A mulher acha que o frango é pouco, traz uma sopa para aconchegar mais o estômago. A janela é de correr. Está uma noite quente, longe ficaram as horas no escritório de contabilidade. Distraída na sua satisfação plena, os vidros limpos de mais e a falta de vista ajudam a errar na saída. Não sai na portada aberta. Embate no vidro. As crianças riem, os adolescentes “pelam-se” a rir. A mulher ri. Estamos de férias. O pai avisa: não partam nada que a casa só tem coisas do melhor. O apartamento com piscina, mesmo na rua da praia, pertence a uns emigrantes que foram para a França, mas que não trocam Portugal por nada deste mundo.
O punto na estrada. A auto-estrada cheia de nervosos a quererem chegar e eis que passa um senhor conhecido da opinião pública, de óculos azuis. Basicamente, um senhor que goza com os outros. O punto cheio. O senhor num carro em que se pode optar por tirar a capota e o condutor do punto a vê-lo no retrovisor. Tenta ultrapassar e não consegue, porque o punto é potente. O condutor do punto faz-se de rogado, aperta com a máquina. Não dá mais. Não ficando satisfeito diz: Passa por cima. E nós a pensarmos: pronto amanhã somos piada nacional naquele programa em que as pessoas se levantam para rir.
Um cheiro esquisito. Ninguém o sente. Errado, ao condutor cheira a combustível derramado. Os pneus nos eixos, os risos rasgam-se mais na boca, a relva da câmara municipal estragada, o nosso charme sacudido à rua e o acontecimento virou história. Sai do carro, cheira-o como se tratasse de uma bomba. Nada, o punto continua vivo para mal dos seus pecados. Ninguém o quer trocar. As férias continuam ao seu volante.

P.S – Rita, não troques o punto ele é nosso amigo.

quarta-feira, junho 13, 2007

Havana abrasa o fresco

A pedido de várias famílias e dos abastados do sol...cá vai.
Dactilografar uma cidade é coisa pouca. É ser abreviado em forma e odores. Havana fica entre a terra e o mar, onde o horizonte é azul, mas menos claro que o céu. Fica a bailar numa estrada grande, com pessoas deslizando à beira sal. O sol aquece o peito, os ombros e fervilha num individualismo mais que primário. Diria que o homem amorna ao seu calor. Nesse dia, não vi chegar o tempo. Não olhei as mãos caucasianas, pálidas. Membros escuros do clima deambulam numa cidade de antes e não sei de que data. Arriscaria a dizer que, aqui, a locomoção mexe mais do que em qualquer outra parte do mundo. De pé em pé o alcatrão fica para trás. Longe ficam os motores potentes e paira um cheiro de combustível ainda a arder. Sabem quando abrasa o fresco? É assim que me cheira Havana. Num soalheiro sem frio. As casas são de pedra crua, nuas e quase sem cal. A luz é reduzida a meia voltagem. O dia começa mais cedo do que em qualquer outro local do mundo, em que eu já tenha adormecido. É a sensação de acordar muito cedo, porque me deitei não que muito tarde, mas a meio da noite. A oralidade cresce em cada esquina, a conversa floresce do nada como se não fossem os viajantes os que conhecem país distante. Somos a peça que chega com novidades do mundo de cá e com cara de bom poder de compra. Nas curvas, nas rectas e nas entrelinhas ficam os cartazes que não se contornam incitando a uma consciência comum. Fiquei com a sensação de um herança de crenças, que passa de pai para filho até que o filho a renegue, ou não. Assim, em Havana há uma linha de sucessão ou de diferenciação. Não é uma cidade cosmopolita e a sua alma prende-se nas cordas da roupa agarrada por molas em qualquer varanda de qualquer casa de portas abertas e de vidas escancaradas. O dia corre ao sol, os sinais continuam vivos, as pessoas cantam e andam quase sempre na rua. Creio mesmo que este seja o seu maior abrigo. A língua deambula em lábios fáceis de meter conversa. Havana é um mundo particular, onde se podem inventar as nossas vidas anteriores e por mais que julguemos as actuais é sempre uma indecisão ao avaliar. Pode-se aprender o convívio, mas há algo que nos fica atravessado nas paredes das casas, que parecem ter tijolos transparentes. Há algo que quem só vive em Havana compreenderá. Nós ficamos com esse cheiro de quando abrasa o fresco. Ficamos com as nossas ideias, com as nossas concordâncias e as nossas discordâncias. Há gente em Havana, tanta gente que o Malecón à noite é uma imensidão de sal e cabeças à beira azul. Nós nos nossos trajes de europeus em nada se assemelhamos a quem sabe viver assim, em paredes cruas em Havana. É fácil de falar de Havana distante. É muito difícil de escrever. Mas o que mais trago em mim…é esse cheiro quente, mesmo quando o vento se levanta.

domingo, junho 03, 2007

O que não sei que seja...

Já não é preciso calçar o sapato para saber que os passos caminham. Inevitavelmente as pernas andam. São as mesmas que me fazem, normalmente, subir as escadas. As mesmas escadas, as mesmas pernas a trepar. Uma porta de madeira e vidro abre, lá dentro a música toca e o edifício é de 1910. Anos da República? Quando o cometa passou e o mundo ia acabar, contam-me os relatos da época. Talvez, a primavera mais rebelde de sempre. Hoje, os sons são diferentes, as primaveras são outras. Estamos quase no estio. Vamos fazer uma revolução?

quinta-feira, maio 24, 2007

Coisinhas que dão confusão...

Passei por uma montra cheia de vestidos de noiva. Lá dentro, uma boneca sem rosto tentava passar a maior felicidade do mundo. Sim, a boneca não tinha lábios. O vestido era branquinho como a cal. Provavelmente, entrará no corpo de alguém que sonha com dias felizes. Mas, os dias começam chatos em casamentos. Normalmente, Agosto quente é o mês escolhido, os cabeleireiros fazem penteados muito feios nas pessoas chiques por um dia, a maquilhagem é exagerada e o calor seca o rímel. Então, a ideia é ser um dia de comemoração. Festa muita festa. E há por ai alguém que se sinta confortável em vestidos de tecidos foleiros? Quem começa a comemorar por uma missa? Quem se gana por ir tirar fotografias pela hora quente? Quem gosta de adiar o estômago para depois da missa e das fotografias? Será o princípio de algo estrondoso? Depois as pessoas comem marrecos nos fatos, os pratos inundam-se de talheres e a mesa dos bolos contínua intacta. Casais deste País façam um favor a vocês e aos convidados, casem de chinelo no dedo, vão de calção, deixem-se de formalidades e saiam dos fatos convencionais e das festas ridículas, onde ninguém se diverte. E já agora não empenhem os papás, nem os convidados…é que a vossa pseudofestinha sai cara. Quem é que se diverte num casamento de burocracia? Eu, certamente que não.

segunda-feira, maio 21, 2007

Revelações I

Tem caído gotinhas de palavras
a minguar em quarto crescente
A formiga carregou um miolo de pão,
não houve sapato assassino.
sentes as cortinas?
são lençóis presos do cheiro de semente.
aqui, em casa não há corredor,
mas temos tapetes.
Queres que te mande?
Subo as escadas.
Dentro da corrente,
não há ciclones de vento
Tenho os dedos a cheirar a romã
Os bagos caíram pela janela
Sentes?
Cá por dentro…soa ligeiro
Ouves?
Não rima é o importante.
Mordo o lábio.
Não têm afinação.
Já te disse que não gosto de consonância?
Então, não gosto do que rima.

sexta-feira, maio 18, 2007

Essa coisa das fitas...

Queimam-se as fitas e afinal fitas hão muitas. Pior do que isso, queimam-se antes de tempo. Ardem sem final anunciado. É tradição as famílias vestirem-se a rigor, o bispo vestir os melhores linhos e os estudantes colocarem-se de luto. É tão assim que golpes de sol são mais do que muitos e a missa é chata. Mais chata ainda para a família, faminta de encontrar um fio de cabelo na multidão. É orgulho estampado. É verdade. O meu filho é doutor e seguiu os caminhos do bem. Como se o bem se praticasse em bancos fáceis de faculdade. Estudei, sei bem o que é a universidade. Hoje, somente a encaro como um local em que se aprende o que se acha interessante. O local das relações humanas e da juventude de quem não espreita muito o futuro, porque depois se verá. É um local de alienação. Fiz a bênção das pastas, eu que não acredito em Deus. Fi-lo a pedido de quem acredita e que merece o maior respeito do mundo. Avó as coisas que eu faço por ti. Tenho escrito fitas. Aqui, pode dizer-se coisas maravilhosas acerca das pessoas. Sabem quando alguém morre e é sempre bom? É assim que sinto as fitas. Deprimem-me. E afinal quem sabe que acaba o cursinho em Maio? Vamos comemorar, encher o corpo de líquido. Vamos ler coisas muito boas acerca de nós e depois lá para Setembro falemos de notas. Vamos benzer-nos porque somos pecadores. Vamos pagar mais qualquer coisinha e vamos alimentar a imagem de que todos temos uma entidade superior, à qual devemos respeito. O final do curso só se sente uma vez. E nem se sente tanto como se pensa. O final sente-se no dia em que a última nota sai. A minha reacção foi: Mãe terminei o curso. Surgiram parabéns de todos os lados e eu sem jeito para essas coisas, em minha homenagem. Não gosto de bombardeamentos E, hoje, sou a mesma pessoa. Tenho a sorte de trabalhar e outros ainda procuram, neste Portugal pequenino. É tão fácil o mundo das fitas, afinal ainda não se acabou. Agora, percebo a razão dos estudantes vestirem o luto. Acreditam em premunições?

quarta-feira, maio 16, 2007

Finito

Fim da linha. Próxima paragem e tão cedo não ando de comboio. Acabou o dia e a noite há-de acabar também. Estou para aqui, eu, lamechas e depois olho para o meu umbigo e vejo que sou egoísta. Demasiado concentrada em mim. Há ai gente bem pior. Não é porque a árvore verga que a ramagem cai. Não é que eu me ache algo, somente não penso é nada de jeito. Inventem-se novos temas por favor, inventem-se novas metáforas e toca a cantar: ao passar ao barco rumando para o sul. Chega. Nova vida e que se junte quem vier por bem.

Acabou oficialmente a minha fase estúpida se não espanquem-me muito, sem dó nem piedade. E metam-me os dedos nos olhos, que eu adoro ui....

segunda-feira, maio 14, 2007

Rogai

Num acto tonto e incontrolado penso ser mais do que é. Nesses actos de desesperos que nos mancham a alma e sacodem a razão, encontro-me em fragmentos. É dia e a noite não parou de dormir. Quantas voltas tenho de dar eu a correr? Que estúpida essência inalterada de tudo ver quando os olhos só são para olhar. Sempre direccionei o meu bater para coisas que realmente são a proteger. Hoje, assumo que a burrice é coisa grave e séria. Provavelmente, um rabisco a carvão, deveria de ter borracha para apagar o traço. Entre tantos clichés, pergunto-me se isto faz algum sentido. Divina alma superior rogai por mim, porque a minha mente está turva e as minhas mãos desaprenderam de rezar, porque nunca o fiz. Amem.

domingo, maio 13, 2007

Abelha de asas leves e de azar estampado

Um dia uma abelha picou-me a cabeça, o cérebro inchou. Julgo que até hoje o ferrão se mantém em mim. O gelo não o sucumbiu, o alto baixou. Agora, o veneno permanece entre um lóbulo e o outro, deambula e tem vezes que chega ao coração. Mais tarde empenho-me a favor do diálogo e de algo construtivo. Não sou aquela pessoa que conta os dias, os anos e vê passar as datas. Não encontro derradeiros encontros. Um dia, uma abelha picou-me. Na ingenuidade digna de qualquer animal mordeu-me e não se fez ouvir pela boca. Guardo meras descrições de patas leves. Rondou-me e só não me comeu porque eu não sou boa para trincar. A abelha morreu-me pela cabeça. Hoje, penso que indefinidamente poderia ter morrido numa folha de árvore verde, com cheiro a chá e o mundo seria suave, o óbito seria digno. Num derradeiro encontro a abelha teve azar e chocou em mim. Hoje desejo fazer boa figura e fazer vénia ao insecto, quando o facilitismo da minha existência assim o permite. Julgo-me salva entre os que estão, mas mais do que isso vou ficar com o vulgar linfático cariz de ter sido o último cabelo comprido onde pudeste pousar.

quarta-feira, maio 09, 2007

O que se pede...

A semana impõe carícias nos ouvidos.
Mãos largas e abertas a tudo.
O dia impõe olhos a rir…de ler coisas, que são mais do que isso.
Talvez uma carta.
Seria semana se ficasse mais perto da distância. (mais curto…um passo, outro…)
E se fosse eu de novo a receber as borboletas?
O dia seria tão bom…

terça-feira, abril 17, 2007

Boleia

Todos os dias a mesma estrada de alcatrão. Que sorte não ser de terra batida.
Naquela que será, provavelmente, a maior árvore do caminho.
Será também o maior abrigo.
O mesmo aconchego de sombra e ventre.
Aqui, debaixo de copa e abrigo fresco, olhos ternos.
Os mesmos que brotam ternura e abraçam quente.
Dois rapazes, com bonés e bolsas à cintura, esticam o dedo em busca de quatro rodas.
Dá copa que tudo abriga os olhos analisam, o coração palpita.
Se pudesse, ao menos, não estar a acontecer.
Passa um carro, outro…e o dedo ainda não encontrou assento.
Protecção até ao último instante.
Mais um carro, outro e enfim a boleia.
Acena com a mão, o coração aperta, a saudade bate…
Adeus meu filho.
Amo-te. Sentirás que te gosto tanto?

P.S. A boleia mais terna que encontro, pelo caminho, em dias cheios.

quarta-feira, março 28, 2007

Grau geográfico

O hábito é atribuir nomes às coisas. Diferenciar, separar, ordenar. Comodidade? Talvez! Mas uma coisa é certa, todos temos uma marca, um registo, um rótulo, um carimbo. Maria, António, José, Filipe, Luís, Francisca, Dulce, Daniela, Ricardo…Porém há quem tenha mais do que isso. Para além do selo atribuído à nascença, é ainda brindando com mais um nome. Todos, ou quase todos, temos um vizinho Manuel, uma vizinha Maria, um vizinho António, uma vizinha Joaquina e um filho do vizinho Manuel e uma filha da vizinha Joaquina. Aqui o registo perde-se e o nome é substituído, por o nosso grau de proximidade geográfica. E depois perguntam: Então não sabes quem é X? É o filho do meu vizinho Manuel! Qual vizinho Manuel? O que é casado com a vizinha Joaquina! Que é prima da minha vizinha Lurdes? E por ai adiante…Mais do que o nome há algo que é eterno, o grau de vizinho simpático. Há um certo gozo em ofertar as pessoas. Talvez seja uma confissão do tipo: Não é da família mas é muito próximo. Afinal mora logo ali ao lado da minha vida. Porque afinal Manuel há muitos, mas vizinho Manuel há, somente, o de cada um.

sexta-feira, março 09, 2007

Praça

O tempo não volta. Isto é uma questão de sabedoria popular que já ninguém desafia. O tempo ficou lá, no próprio fundo do tempo. Mas, voltam as raízes do pensamento, essas, que insistem em não ficar como restos de vinho na garrafa. Voltam as vidas que foram mais do que temporalidade e que sobressaem à efemeridade da existência. Na praça, nessa manhã, falou-se aparentemente de gente morta. Falou-se dos que já não existem, ou dos que, pelo menos, já não se encontram sentados nos bancos de pedra. Aparentemente, tudo gente morta. Aparentemente, tudo gente distante. Aparentemente, tudo gente que já não volta. Mas tudo aparentemente. Na praça, nessa manhã, falou-se de vida. Imortalizaram-se momentos, fez-se vénia à saudade e fez-se jus à mortalidade. Na praça falou-se de mortos que, mais do que mortos, foram/são pessoas. Na praça brindou-se à melhor essência da existência. Na praça, há imortalidade no que amamos. Na praça, não aparentemente, há sempre gente.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Há um melhor português?

O grande português de sempre não é grande em pensamento. Faz-me comichão na mente pensar que se quer falar de história deteriorando-se elementos que a ela pertencem. Se fosse uma selecção natural de afinidades, de gosto, de prazer, de identificação e de preferência seria causa justa. Mas não! Neste caso, a política sobressai à cultura e a cultura excomunga a ciência. Como se pode eleger um, apenas um? Como pode a bravura diferenciar da intelectualidade e a astucia da inteligência? Claro que em tudo. Mas a história é indivisível. A história não separa, quanto muito ordena. Uma coisa liga-se à outra, porque só a descoberta anterior dá asas para o progresso voar. A história também não enriquece os bolsos às operadoras telefónicas. Ou enriquece? Ou são as audiências que viram guerra? Cada vez confio mais que a mentalidade é o que muda mais lentamente. Se não olhem para um País em campanha por eleger um melhor Português de sempre. Como se houvesse um e apenas um e mais nenhum. E agora pergunto: Quantos portugueses geniais andam longe das luzes da ribalta? Quantos ficaram pelo caminho? E não serão também as circunstâncias que fazem o facto? E depois há uma vontade desmedida de incentivar ao voto. E perguntam: Já votas-te em X? Não te esqueças! E de repente o nosso Portugal dos Pequeninos da Europa quer ter um homem com G de Grande, mas não um País com G de Gente.
Por isso, o meu Voto vai para a minha avó por, para mim, ser a melhor Mulher (e não portuguesa) de Sempre.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Sim

Neste pequeno espaço cívico em que nos movimentamos, substituamos a V do cívico pelo N e ficaremos com cínico. Então recomecemos e escrevamos. Neste pequeno espaço cínico em que nos movimentamos, cruzamos os braços e assim caminhamos. Somos os mesmos artistas de circo de sempre, desde o tempo de Almada Negreiros, em tela que crescemos. Neste pequeno espaço cínico em que nos movimentamos, andamos com os olhos no chão e assim vamos. Somos os mesmos, como disse Miguel Esteves Cardoso que preferem “viver antes da felicidade que depois dela”, mas assim vamos abrindo a boca pensando que são lábios de sorriso que desenhamos. Então recomecemos e escrevamos. Neste pequeno espaço cívico em que nos movimentamos somos cínicos e assim vivemos.
Sou pela Vida e Sou pelo SIM...

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Gosto de mercados...

Gosto de mercados, desses, em que a fruta cheira a fruta. Especialmente quando chegam os ares do campo que, por momentos, afastam o odor dos químicos. Gosto dessas bancas alinhadas entre as laranjas, as maças e as alfaces. Degusto pelo olhar mas, sobretudo, os aromas confundem-se e, por vezes, já não distingo o rosmaninho do alecrim. Inalo o poejo com os sentidos vincados no hortelã e as mãos, essas, prendem-se aos molhos de salsa. Não me ficando, porém, pelo apreciar de cores diversas deslumbram-me estruturas que erguem verdadeiros centros de tradição, normalmente, com telhados de chapa bem altos. E lá dentro, as vozes fazem eco e os verdadeiros vendedores tradicionais trazem no corpo rostos puros, tão puros como a hortaliça. O gosto é de há anos, mas tem dias que se acentua. A caminho de País vizinho, paragem em Estremoz para almoçar. Aquela paragem mais do que certa e mais do que recompensada. Ali, em plena rua; em plena artéria principal da cidade, bancos com estofos de palha, capoeiras e galos lá dentro, caixas de ovos ainda quentes e uns limões apanhados da horta. Stock q.b para montarem a banca. E nunca um mercado me tinha impregnado tanto com o cheiro da terra. Oferta improvisada com o que o bocadinho de quintal dá. Laranjas da época ainda com o ramo, nabos, potes de mel em frascos de doce, piripiri aos molhos e azeitonas com o pé da oliveira. Sentimento tão leve que acho que a atmosfera não estava poluída. Por certo que cheirava entre o verde e o castanho, onde se estendem as raízes e brota o essencial ao ar.
Não esquecer nunca: Ir a todos os mercados quanto possíveis.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Simultaneidade



Em plena harmonia ou em pleno desaire? Não sei bem.
Com a cabeça a fervilhar bolhas, com os ombros a rejeitar o cinto, com os olhos cansados, com as mãos geladas, com a caminho por percorrer, com o dia quase terminado, com a boca seca, com as horas a passar, a mente longe e uma tarde cheia, somente, de coisas.
Um tractor a impedir velocidades e uma bolha amarela a entrar-me pela cabeça em jeito de alucinação numa arte psicadélica. E depois...depois, a música do Variações, em boca de humanos, a passar na rádio.
Estou bem aonde não estou...
Porque eu só quero ir aonde não vou...
Ele há simultaneidade?