quinta-feira, junho 28, 2007

Trocadilhos

Faz de conta que estive, mesmo quase, a terminar o conto. A acabar a reportagem. A preparar o trabalho que se segue. Faz de conta que não fui beber aquela água de chã, em que estou viciada. Que não me ri. Que a noite não acabou mais tarde do que devia e que não me deitei com a lua no alto. Faz de conta que o dia vai ser curto e que não há trabalho. Faz de conta e conta o que me faz, tudo num trago.

segunda-feira, junho 25, 2007

Apetece-me e pronto

Apetece-me andar com os chinelos na cabeça, só porque a lei da gravitação da minha mente atrai o chão.

segunda-feira, junho 18, 2007

Entretanto...

Sacudido que vem o dia não tropeço rua abaixo, rua acima.
Na horizontal estou, mais ou menos, entre as formas de resignação empoleirada no tronco da árvore do corredor esquerdo, onde vira cada esquina da casca. No mesmo barulho do vento sacudo a poeira e volto à minha beira.

sexta-feira, junho 15, 2007

Histórias nossas

Cinco pessoas, um punto e um candeeiro. Poderia ser a história de qualquer livro infantil, mas é história de gente grande, ou que já pensa que o é. As rugas, essas, só valem quando chegam ao cérebro. Então nós mais a sul, o carro apinhado, as conversas que o temos de trocar mais do que gastas. Porque raio não se compra um carro novo? Porque a essência é mesmo essa, bens materiais não fazem falta a ninguém e por aí. E o carro a ouvir discussão de gente feliz. Mais um passo, outro, o carro apinhado. Vilamoura no horizonte, risadas e reviradas de olhos. Auto-estrada cheia, em caminho de Agosto. Carrinhos passam completos de gente que vai descansar por quinze dias, as férias do ano. Essas em que se acabam com os trocos e em que se comem gelados à noite na marginal. Os filhos querem tudo. Os pais dizem que já chega e que já se foi o subsídio de férias. O marido anda feliz com a mulher. A mulher anda feliz com o marido. Os meninos apanham praia e às vezes comem uma bola de Berlim na areia. O descanso é pleno. À noite compram um frango assado e comem na varanda da casa alugada. Isto é que é qualidade de vida diz, normalmente, o pai. Olham em frente, os vizinhos também estão a comer. Os homens estão em tronco nu e as mulheres cheiram a champô e a creme para depois do sol. A mulher acha que o frango é pouco, traz uma sopa para aconchegar mais o estômago. A janela é de correr. Está uma noite quente, longe ficaram as horas no escritório de contabilidade. Distraída na sua satisfação plena, os vidros limpos de mais e a falta de vista ajudam a errar na saída. Não sai na portada aberta. Embate no vidro. As crianças riem, os adolescentes “pelam-se” a rir. A mulher ri. Estamos de férias. O pai avisa: não partam nada que a casa só tem coisas do melhor. O apartamento com piscina, mesmo na rua da praia, pertence a uns emigrantes que foram para a França, mas que não trocam Portugal por nada deste mundo.
O punto na estrada. A auto-estrada cheia de nervosos a quererem chegar e eis que passa um senhor conhecido da opinião pública, de óculos azuis. Basicamente, um senhor que goza com os outros. O punto cheio. O senhor num carro em que se pode optar por tirar a capota e o condutor do punto a vê-lo no retrovisor. Tenta ultrapassar e não consegue, porque o punto é potente. O condutor do punto faz-se de rogado, aperta com a máquina. Não dá mais. Não ficando satisfeito diz: Passa por cima. E nós a pensarmos: pronto amanhã somos piada nacional naquele programa em que as pessoas se levantam para rir.
Um cheiro esquisito. Ninguém o sente. Errado, ao condutor cheira a combustível derramado. Os pneus nos eixos, os risos rasgam-se mais na boca, a relva da câmara municipal estragada, o nosso charme sacudido à rua e o acontecimento virou história. Sai do carro, cheira-o como se tratasse de uma bomba. Nada, o punto continua vivo para mal dos seus pecados. Ninguém o quer trocar. As férias continuam ao seu volante.

P.S – Rita, não troques o punto ele é nosso amigo.

quarta-feira, junho 13, 2007

Havana abrasa o fresco

A pedido de várias famílias e dos abastados do sol...cá vai.
Dactilografar uma cidade é coisa pouca. É ser abreviado em forma e odores. Havana fica entre a terra e o mar, onde o horizonte é azul, mas menos claro que o céu. Fica a bailar numa estrada grande, com pessoas deslizando à beira sal. O sol aquece o peito, os ombros e fervilha num individualismo mais que primário. Diria que o homem amorna ao seu calor. Nesse dia, não vi chegar o tempo. Não olhei as mãos caucasianas, pálidas. Membros escuros do clima deambulam numa cidade de antes e não sei de que data. Arriscaria a dizer que, aqui, a locomoção mexe mais do que em qualquer outra parte do mundo. De pé em pé o alcatrão fica para trás. Longe ficam os motores potentes e paira um cheiro de combustível ainda a arder. Sabem quando abrasa o fresco? É assim que me cheira Havana. Num soalheiro sem frio. As casas são de pedra crua, nuas e quase sem cal. A luz é reduzida a meia voltagem. O dia começa mais cedo do que em qualquer outro local do mundo, em que eu já tenha adormecido. É a sensação de acordar muito cedo, porque me deitei não que muito tarde, mas a meio da noite. A oralidade cresce em cada esquina, a conversa floresce do nada como se não fossem os viajantes os que conhecem país distante. Somos a peça que chega com novidades do mundo de cá e com cara de bom poder de compra. Nas curvas, nas rectas e nas entrelinhas ficam os cartazes que não se contornam incitando a uma consciência comum. Fiquei com a sensação de um herança de crenças, que passa de pai para filho até que o filho a renegue, ou não. Assim, em Havana há uma linha de sucessão ou de diferenciação. Não é uma cidade cosmopolita e a sua alma prende-se nas cordas da roupa agarrada por molas em qualquer varanda de qualquer casa de portas abertas e de vidas escancaradas. O dia corre ao sol, os sinais continuam vivos, as pessoas cantam e andam quase sempre na rua. Creio mesmo que este seja o seu maior abrigo. A língua deambula em lábios fáceis de meter conversa. Havana é um mundo particular, onde se podem inventar as nossas vidas anteriores e por mais que julguemos as actuais é sempre uma indecisão ao avaliar. Pode-se aprender o convívio, mas há algo que nos fica atravessado nas paredes das casas, que parecem ter tijolos transparentes. Há algo que quem só vive em Havana compreenderá. Nós ficamos com esse cheiro de quando abrasa o fresco. Ficamos com as nossas ideias, com as nossas concordâncias e as nossas discordâncias. Há gente em Havana, tanta gente que o Malecón à noite é uma imensidão de sal e cabeças à beira azul. Nós nos nossos trajes de europeus em nada se assemelhamos a quem sabe viver assim, em paredes cruas em Havana. É fácil de falar de Havana distante. É muito difícil de escrever. Mas o que mais trago em mim…é esse cheiro quente, mesmo quando o vento se levanta.

domingo, junho 03, 2007

O que não sei que seja...

Já não é preciso calçar o sapato para saber que os passos caminham. Inevitavelmente as pernas andam. São as mesmas que me fazem, normalmente, subir as escadas. As mesmas escadas, as mesmas pernas a trepar. Uma porta de madeira e vidro abre, lá dentro a música toca e o edifício é de 1910. Anos da República? Quando o cometa passou e o mundo ia acabar, contam-me os relatos da época. Talvez, a primavera mais rebelde de sempre. Hoje, os sons são diferentes, as primaveras são outras. Estamos quase no estio. Vamos fazer uma revolução?