domingo, outubro 15, 2006

A minha amiga Gata já é mãe...

Um pé junto ao outro, um fato de treino rosa e um balanço na cadeira inquieto. É assim que me recordo de ti pela primeira vez, dessa, em que eu tinha calções de peitilho verdes com uma camisola rosa e uns sapatos que faziam barulho. Caracóis claros e eu de cabelo escorrido e escuro. Dedos, olhos grandes e expressivos, gargalhadas descontroladas e a barriga apertada por doer com tamanha actividade alegre da alma. E passam as canelas finas, passam os pátios de soalho vermelho e já não ouvimos as campainhas num grito que alterava a garganta, como algo descontrolado mas de extrema importância: “É entrada da Dona Dorinhas”, lembras-te as veias ficavam alteradas? Mas davam ar de responsabilidade! Bem lembro que nunca te preocupas-te com tal facto, bem me lembro, de ser uma seca em que reviravas os olhos. Vejo-te do contra, da oposição sempre, mas de uma oposição ingénua. Não medias o que dizias, tão pouco o que fazias. Eras um destrambelhamento andante em terra firme. Abominavas a vida, mas rias tão intensamente que acho que eras sarcástica. Lembro-me de te ver ir sempre sozinha, sempre com os caracóis a deambularem até virares as bombas de gasolina. Gata, não era nome fácil de criança, raramente te ouvi chamar Cristina. Gata, Gatarda, Gatarrona, em ouvidos de cartilagem infantil. E reviravas os olhos, esses, cor de mel. Criavas no ar, imaginavas e acabava sempre por algo correr mal... Sempre a mesma vítima do destino! Bem sei que era abuso, mas quiçá algo tão genuíno, que raramente encontro melhores memórias. E agora já tens mais um cordão umbilical, e agora já não te vejo a ir sozinha até a esquina, ainda te enxergo com a cabeça cheia de bolinhas amarelas da árvore, fecho os olhos e vejo a queda de cima do teu troco, do teu quarto imaginário, no primeiro andar, quando todos se contentavam com o chão e os pés firmes. Vejo-te a rebolar pela tábua solta da sala de aula, numa irritação desmedida, vejo a minha cara de otária, ou melhor as nossas, quando a tua piscina não passava de uma farsa. Vejo-nos dentro da arca frigorífica e afinal já nem fruta tem comido juntas. Estas longe, longe de mais até. Mas perto da minha cabeça, perto sempre da minha vivência. E hoje quando me chamaram com um toque e me disseram que já tinhas o teu bebé senti um misto do que já não volta. Bolinhas de sabão, saudade, cordas de vidas, risadas, e felicidade hoje mais do que nunca te sinto acompanhada. Imagino-te no mesmo desespero de sempre, na mesma resmungona de todos os dias, nas mesmas piadas e risos em que cerravas os dentes. Encontro-te a delirar e tão feliz como nunca te vi, que me fazes feliz a mim.

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente,como já é teu apanágio.
É fantástico ver que os nossos amigos crescem.Espero que esse rebento possa um dia ter tão boas recordações com vocês têm.É nestas alturas que vemos que o mundo tem coisas tão boas para nos oferecer.
Beijinhos para ti.
E felicidades para a mãe e para o bebé*

Anónimo disse...

bebes o melhor do mundo. Beijinhos em si;)