quarta-feira, novembro 14, 2007

Oh tempo volta para trás

Depois de crescer lembro-me de quando era minguante. Comia gelados de gelo, provavelmente provenientes de sumos Tang, usava soquetes e pegava os pirolitos ao céu-da-boca. Não tardaria a perceber que a nespereira poderia ser um baloiço, embora imaginado com muita persistência. Na verdade, uma tábua fazia-me chegar mais perto dos frutos amarelos, que me enchiam a boca de formas e sabor. Resolveram mudar o gás para o quintal. A casinha que guardava as bilhas transformou-se num navio. A proa, essa, era comandada a partir do varão que acolhia a roupa. Como horizonte as mangas dos meus pijamas de ursos, as meias opacas da minha avó, os calções do meu irmão, as camisolas quentes da minha mãe e as camisas finas do meu pai. Um arsenal de tachos espalhados pelo chão. Lá dentro, erva, água e terra. Foi por muito pouco que a minha mixórdia não rivalizou com a sopa da minha avó. No quarto (que apelidaram de brinquedos) uma bateria, legos, barriguitas, um detector de metais, uma concertina, uma pista de carros, outra de comboios, a boneca que torcia a cabeça, a que chorava, o careca vestido de azul, a barbie de cabelos louros, o Ken moreno, a boneca do chapéu, uma máquina de costura, a de fazer sumos, mais tachos, mais coisas, e, por fim, o macaco que punha o dedo na boca. Mas lá fora espreitavam as cabanas nas árvores, o cheiro inesgotável da terra e os papagaios soltos ao vento. Depois, chegaram as noites de escondidas, o bater à porta e fugir, o enganar o homem da taberna, a noite dos castigos, os telefonemas a fingir que era da rádio, o sufoco da noite das camisolas trocadas….e tanto. À noite, continuo a ouvir a minha mãe a chamar-me: Bruna já chega. Amanhã há mais. E eu, hoje, sentada a pedir-lhe: Podes fazer com que me chames esta noite e repitas o mesmo? Prometo não me atrasar e não resmungar para ir tomar banho, mesmo que o cabelo suado me denuncie aos teus olhos.

9 comentários:

Andreia Azevedo Moreira disse...

A infância! Lindo este texto! :)

Andreia Azevedo Moreira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Andreia Azevedo Moreira disse...

O comentário eliminado foi meu!! ISto publicou duas vezes a mesma coisa... Bjitos!

Anónimo disse...

Sua menina feliz

Charlotte disse...

Eram tempos de uma liberdade infinita, em que tudo parecia possível.

Ao ler-te, parece que partilhámos a infância. E no entanto... Acho que é porque as infâncias felizes sabem todas ao mesmo. Seja em Aldeia de Ruins, seja em Nova Iorque.

Beijinhos

Anónimo disse...

Bruna

Como é bom recordar esses tempos maravilhosos quando eramos uma família feliz.

Lembro-me também de tudo isso, com saudade, como tu eras uma menina linda e rebelde, sempre foste uma Maria Rapaz, nunca ligás-te muito aos brinquedos preferias coisas diferentes, talvez por seres a única rapariga do nosso bairro convivendo sempre com os rapazes do bairro mas, foram bons tempos, tivés-te uma infância feliz, sempre te deixei fazer aquilo que mais gostavas, não me arrependo, nunca me decepcionás-te, sempre te deixei ser livre como tu gostavas, e hoje és uma rapariga linda, meiga, maravilhosa, responsável e livre como sempre gostas-te de ser continua assim, a mãe adora-te e têm muito orgulho em ti.

Acho que não errei na tua educação
apesar de seres sempre um bocadinho teimosa, com a resposta sempre na ponta da língua mas, isso era já o fruto de vires a ser uma grande mulher.

Continua, mas nunca esqueças esses momentos de menina, garanto-te com a minha experiência de vida que são sempre os melhores, quando crescemos a vida torna-se complicada mas, inteligente como tu és, sei que qualquer problema que surja na tua vida vais sempre saber resolvê-lo com inteligência.

Nunca mudes minha menina linda.

Beijinhos da mãe que te adora.

Anónimo disse...

..sentimentos que crescem connosco!!
é tao bom ser criança!!termos infancia e imaginar sem fim!!

ter sido criança é ser adulto confiante!! (a mãe sabe)
beijoz as 2

Anónimo disse...

Muito bonito! Até chorei! É verdade 3B's! Tempos de criança que não voltam para trás mas que nos fazem ir em frente! Beijos grandes da Velha!

Anónimo disse...

só faltou aqui os pedidos para a rádio castrendse ou tu já n apanhaste esta fase...com as benditas dedicatórias e as eternas músicas que unem corações........ lol

tá maravilhoso e saudosista o texto

bjs
angela