terça-feira, março 18, 2008

A minha avó deu banho ao cão

A minha avó deu banho ao cão. Disse-me que estava imundo. Soou-me a vadio. Olhou para mim com cara de urso e sorriu. Sente-se bem na pele dos que correm a calçada a cheirar as ervas. O pêlo escorrido denunciou uma distante ida à rua sem trela. Quando o cão toma banho é como se envergasse uma roupa nova. Na verdade, a minha avó veste-lhe o melhor fato de cerimónia. Dá passeios de cão de madame. Não é farto nas convivências, nas descobertas. Não corre com a língua traçada a esbanjar alegria. Um dia segredou-me que é mais feliz com pulgas e com lama. Olhei para o cão e lembrei-me de mim em dias importantes. Vestiam-me as meias aos losangos até aos joelhos, a saia, a camisa branca e punham-me a fita no cabelo. Depois, os baloiços chamavam-me, a areia entrava nos sapatos, as meias enchiam-se de terra, a camisa branca voltava às manchas e, pelo caminho, ainda esfolava os joelhos. O cão (amarelo, preto, branco, castanho) cheira a sabão de humano e deixou de ser cão; mas, vale-se da terra do limoeiro, das escapatórias sorrateiras e da memória terna e curta da minha avó.

1 comentário:

Anónimo disse...

Simplesmente....fantástico...