quarta-feira, abril 30, 2008

A minha rua tem hortelã...

A minha rua tem uma leira de hortelã que cheira a canja e às sopas dos grãos. A minha rua, que é também a da minha vizinha, a dos meninos que correm e a das mulheres que se sentam às portas, tem brisa comunitária. Digo isto porque a hortelã colhe-se com as mãos. Colhe-se com o prazer de ser de nós e de quem a queira. Corta-se pelo pé e não precisa de autorização para ser levado para casa. Na minha rua, a hortelã não tem regras nem punições. Temos o sentimento de partilha no cheiro de uma erva aromática. Não se troca, não se vende. Apanha-se. Faz tempo que não vou lá. Essa era a minha tarefa de criança e depois meti na cabeça que cresci e vim trabalhar. Não estou disponível quando a minha avó precisa de hortelã. Não estou à mão de um pedido seu. Chega o fim-de-semana e costumamos almoçar juntos. Sentamo-nos nos mesmos lugares de sempre. Quando as visitas vão lá a casa sou eu que costumo ceder a cadeira. Fico de costas para a janela. Não faz mal. Não me importo. Sei as pernas da árvore de cor. Saberia soletra-las se de um poema se trata-se. Não tenho ido apanhar hortelã. São estas pequenas coisas que me fazem pensar o quão aborrecidos são os adultos. Apetece-me ter tempo para jogar às mãos à terra. A minha avó continua a fazer a canja. Vai nas suas pernas pequenas de quem já percorreu léguas. A minha avó continua a fazer grãos. Vai no seu corpo magro de quem já viveu o mundo todo. Eu não tenho ido à hortelã. Acredita: Se, por momentos, não te fui ver, foi para te deixar crescer.

4 comentários:

Sarinha disse...

Muito bonito... Qdo li a 1ª vez tava a comer canja... com hortelã, claro!
Beijinhos.

Anónimo disse...

Lindo. Só tu para o escreveres tão bem, a tua sensibilidade, a tua ternura só poderias ter vivido tudo isso, menina feliz que cresceu mas, ainda sabe saborear as coisas lindas da vida.
Gostei continua estás no bom caminho.

Anónimo disse...

so sweet!

Anónimo disse...

O seu perfume ficou num leve toque de mãos de quem cresceu a oferece-las... Que a avó continue a fazer muitas sopas... e tão boas que são!! :) saudades da rua, saudades da avó, saudades de ficar no lugar das visitas e saudades muitas de ti...