sexta-feira, abril 24, 2009

Obrigado por Abril

Hoje enche-me a alma cruzar-me com a vizinha Xica. Vê-la do alto dos seus 70 anos a parodiar-se pela rua e a aprontar-se para a chegada da noite de 24, onde há cantes à liberdade e fogo de artifício aos molhos. Ela e o vizinho Pedro estão quase prontos. O jantar, esse, será servido mais cedo. A bata ficará pendurada na porta e a noite de Primavera tropeará. Pelo caminho, encontrar-se-ão com homens e mulheres de outros bairros. O casaco irá sobre os ombros e descerão até à avenida, onde as árvores já cheiram e brotam verde. A chegada da noite fará sair os lenços da algibeira e abrirão o pano para cobrir a pedra gelada da bancada. É ali que os encontro sempre que lá vou, no ponto privilegiado. O vizinho Pedro estará, à semelhança de todos os dias, com o seu chapéu envergado. Do alto, olhará as crianças que correm suadas, os pais que viu crescer e os seus amigos de batalha. Sentir-lhe-ei o sentimento de orgulho na liberdade. Depois, avistarei, ainda, o vizinho Xico e o avô Florival da Rita. A banda filarmónica ecoará, à meia-noite em ponto, os sons da Grândola Vila Morena e com o peito aberto cantarão Abril. E direi para mim, com a pele arrepiada e uma esperança infinita que o sintam: Valeu tanto a pena.

4 comentários:

rapariga do tejo disse...

Hoje é dia de cantar Abril!!

Que as gargantas não se cansem e bem alto, gritemos 25 de Abril Sempre, Fascismo nunca mais!!

Em memória e em homenagem a todos os que ontem e hoje lutaram e lutam todos os dias, por um Abril Novo!

A Luta contínua e é necessário fazer de novo Abril, em todos os expectros da sociedade!

Agora e sempre juventude está presente!

....Grândola Vila Morena,
....Terra da fraternidade,
....O povo é quem mais ordena,
....dentro de ti ó cidade....

rapariga do tejo disse...

Para ti
Poeta da Planície:

A TERRA

É da terra sangrenta. Terra braço
terra encharcada em raiva e em suor
que o homem pouco a pouco passo a passo
tira a matéria-prima do amor.

Umas vezes o trigo loiro e cheio
outras o carvão negro e faiscante
uma vezes petróleo outras centeio
mas sempre tudo menos que o bastante.

Porque a terra não é de quem trabalha
porque o trigo não é de quem semeia
e um trabalhador apenas falha
quando faz filhos em mulher alheia.

Quando o estrume das lágrimas chegar
para adubar os vales da revolta
quando um mineiro pude respirar
com as narinas dum cavalo à solta.

Quando o minério se puder tornar
semente viva de bem-estar e pão
quando o silêncio se puder calar
e um homem livre nunca dizer não.

Quando chegar o dia em que o trabalho
for apenas dar mais ao nosso irmão
quando a fúria de força que há num malho
fizer soltar faíscas de razão.

Quando o tempo do aço for o tempo
da têmpera dos homens caldeados
por pó e chuva por excremento e vento
mas por sua vontade libertados.

Quando a seiva do homem lhe escorrer
por entre as pernas como sangue novo
e quando a cada filho que fizer
puder chamar em vez de Pedro Povo.

As entranhas da terra hão-de passar
o tempo da humana gestação
e parir como um rio a rebentar
o corpo imenso da Revolução.


José Carlos Ary dos Santos

guiga disse...

O grande Ary dos Santos, poeta sensivel. Que muito me fascina com os seus sonetos, escritos sem habilitações.
Da publicidade para a canção, um poema constante...


Um Viva ao poeta, e um Viva a ti Bruninha.

rapariga do tejo disse...

Para ti.. poeta inspiradora

" Moça morena e ágil, o sol que faz as frutas,
o que dilata os trigos, o que retorce as algas,
fez o teu corpo alegre, os luminosos olhos
e essa boca que tem o sorriso da água.

Um sol negro e ansioso enrola-se-te nos fios
da negra cabeleira, quando estendes os braços.
Tu brincas com o sol como se fosse um esteiro
e ele deixa-te nos olhos dois escuros remansos.

Moça morena e ágil, nada de ti me abeira.
Tudo de ti me afasta, como do meio-dia,
Tu és a delirante juventude da abelha,
a embriaguez da onda, a força que há na espiga.

Porém meu coração sombrio te procura
e eu amo o teu corpo alegre, a tua voz solta e fina.
Borboleta morena, suave e definitiva
como o trigal e o sol, como a papoila e a água."
Pablo Neruda :)