sexta-feira, dezembro 24, 2004

Viagens Diárias

Entre linhas rectas e outras verticais, lá desci as escadas do metro. Como sempre parecia de noite nem um raio de luz solar, apenas uns apliques a que resolveram chamar de candeeiros iluminavam o túnel, povoado de gente que se cruza mas não se olha.
Eram 8:10 da manhã já estava atrasada, por as minhas contas deveria de chegar 20 minutos mais cedo. É hora de ponta nas carruagens, curioso ainda mal começou o dia e já é hora de engarrafamento. Aqui não se buzina como no mundo agitado que passa sobre as nossas cabeças, aqui faz-se um olhar uma expressão de incómodo, um simples suspiro que avisa a invasão do nosso espaço. Contudo, nem uma só palavra é proferida os lábios quase sempre estão cerrados, a não ser que um conhecido nos acompanhe e entre um ou dois fonemas lá saía um som. Por fim, o aviso de fecho de portas é apenas uma questão de segundos, para os apressados parece uma eternidade, para os que ainda correm para não perder a carruagem de ninguém é uma batida de coração mais acelerada logo pela manhã.
É assim, que se iniciam as viagens todos os dias e aqui vamos nós sugados pela linha, levados para uma escuridão não menos solitária do que a que se passa aqui rodeada de gente. Hoje consegui apanhar um lugar sentada, ao meu lado vai um senhor já de idade. Leva consigo um caderno de capa preta, ainda têm os olhos inchados do sono e da falta de vento na cara. Parece andar numa escola para adultos, no caderno uma etiqueta coloda avisa os presentes que é o aluno 015, também já deve de estar atrasado...Penso isto porque imagino que tenha o mesmo horário do que eu, e faz-me sentir mais responsável ao enxergar as marcas que já possui no rosto.
As vozes só se escutam em tom de serenata cada uma no seu círculo íntimo, contudo quem não tem círculo por falta de companhia e de conhecidos, ouve um pouco aqui e da conversa do outro e lá esboça um sorriso, a parecer um tonto porque ninguém ri sozinho.
São assim as viagens que percorro já há algum tempo, so que em cada viagem com um desconhecido diferente, cada paragem com novas gentes quase sempre os mesmos destinos mas diversificados de rostos, de conversas e de silêncios.

4 comentários:

Anónimo disse...

Continua, que a tua escrita não é a metro! :)
Bom Ano-Novo!

António
http://luminescencias.blogspot.com/

Anónimo disse...

Pois...é assim que se começam os dias,e é assim que se terminam.Levantamo-nos para a indiferença,deitamo-nos para nos levantarmos pouco depois.Talvez os meios nos salvem...beijinhos gordos,gorda

[_David_] disse...

Olá! Gostei muito deste texto!! Um beijo e bom Ano 2005

Carlos Lopes disse...

Percebe-se que os dias soltos, este espaço, tem muito para nos dar, gostei especialmente deste artigo, que é um bom retrato e uma excelente visão sociológica do nosso quotidiano. Os meus parabéns.